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A idade do mato

Não importa quantos anos eles têm, o importante é viver no lugar que escolheram


Pedro Vieira e Luana Guimarães





Seu Isaías corre até o vizinho Waldomiro pedindo ajuda. “Waltinho” – como é chamado Seu Walter, 67 anos, outro vizinho de Isaías – está passando mal e precisa ser levado ao médico na cidade mais próxima urgentemente, e Waldomiro, 75, possui um carro. Na primeira tentativa, uma assistente de saúde os impede de ir à cidade, dizendo que o “velho”, estaria apenas bêbado e todos se tranquilizam. Mais tarde no mesmo dia, Isaías retorna até Waldomiro, Walter não está bêbado, está duro como pedra e não reage. Depois de chegar à cidade de Sidrolândia, que fica a 40 km de distância da região onde os três idosos moram, Walter é transferido para Campo Grande e fica quatro meses internado. Isaías não pôde pressentir que em menos de um ano após salvar a vida de Walter com a ajuda de Waldomiro, não daria tempo de pedir ajuda para si mesmo. O hospital precisaria estar ali no exato momento de seu infarto para que ele pudesse ter uma chance de sobreviver. Diferente de Walter que “quase” morreu, Isaías não teve chance.



Segundo o censo agropecuário feito em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Mato Grosso do Sul aproximadamente 30.786 produtores rurais tinham entre 55 anos e 75 anos, enquanto 5.896 tinham acima de 75 anos. Isso significa que a maioria dos produtores rurais de MS, em 2017 eram idosos, e os que não eram, hoje em 2023 já são. Isaías, Walter, Waldomiro, Carlos, Jair, Josefa, Antônio, Antônia e Donato fazem parte dessa estimativa. O que eles têm em comum é que todos têm – ou tinham – 60 anos ou mais, com exceção de Dona Antônia que tem 57 anos. Além disso, todos moram – ou moravam – no assentamento Eldorado, antiga Fazenda Eldorado, que hoje é formado por pequenas propriedades de terra: ranchos, sítios e chácaras. Todos eles dividem o mesmo ponto de vista, de que a vida no campo é muito melhor que na cidade.

“Tinham” e “moravam”. Falo de Seu Isaías e Seu Carlinhos, que serviram de reflexão para os demais. Isaías ainda conseguiu um socorro, mesmo que inútil. Tinha ido levar leite para sua vizinha e morreu na casa dela. Carlos, por outro lado, foi achado morto em sua casa depois de cinco dias, já em decomposição. O que os dois têm de diferente dos demais? Ambos moravam sozinhos, sem nenhum familiar, e ambos estão mortos.



Acredito que o crédito por essa façanha não seja de um decorador de interiores. É uma moldura explícita da vida simples e sem preocupações com qualquer tipo de luxo. Falo de panelas suspensas na parede, tão bem areadas que brilhavam e contrastavam os tijolos sem reboco por trás delas. Essa é a varanda de Seu Antônio, um jovem senhor de 68 anos, de cabelos grisalhos e que parece estar tão de bem com a vida que em suas palavras “já era pra ter até morrido". Com uma camisa amarela um pouco suja, que expunha seu peito e parte da barriga, ele associa sua satisfação com a vida em já ter criado todos os filhos. “O que eu mais quero agora é sossego”, afirma. Quando pergunto se ele acha que daria tempo de chegar até um hospital em um caso de urgência médica, Seu Antônio segue não demonstrando preocupação. Sua resposta é “Só Deus sabe”. “Às vezes sai e morre até no caminho”, continua. Ele, que é hipertenso, sofre de artrose, osteoporose e problema no coração, conta que tem ido com muita frequência ao médico em Sidrolândia que é a cidade mais próxima. Juntamente com ele, mora seu filho Denis e sua xará, Dona Antônia, que veio sozinha do Paraná, é fumante há 50 anos e depois do falecimento de seu marido, desenvolveu depressão.



Provavelmente quem areou as panelas em exposição na varanda de Seu Antônio, foi a única mulher da casa, Dona Antônia, que havia acabado de limpar a casa quando eu cheguei. Ela conta que faz uso de medicamentos controlados, e irá começar a fazer terapia no Capão Seco, pequeno distrito próximo a Sidrolândia. Apesar da depressão, Antônia é uma mulher sorridente. Eu insisto em saber se ela possui alguma outra doença e ela responde que sim: “Tenho, mas isso não me atrapalha em nada, tem a rocinha pra carpir, tem coisa pra prantar e tem os bicho que me distrai”. Para ela, cuidar da terra é uma fuga da depressão, pois lhe ajuda a ocupar a mente. A lista é grande: artrose na bacia, quatro hérnias de disco na coluna e tendinopatia. “Mas mesmo assim eu trabalho muito, eu gosto de trabalho, não posso parar”, termina de contar seu diagnóstico se justificando e rindo. Dona Antônia demonstra ser uma mulher forte; mesmo com a reprovação dos filhos à sua escolha de morar longe e no meio do mato, ela optou por fazer o que gosta. “Eles acham que é uma loucura, que eu não preciso disso. Mas eu tenho que fazer aquilo que eu gosto”. Três de seus filhos moram no Paraná (PR), e o mais velho mora em Santa Catarina (SC). A distância da família não é um problema para ela, que visita os filhos com certa frequência. Com um bonezinho em sua cabeça para se proteger do sol, ela se despede da porta de sua casa.

Por um instinto de proteção, os amigos de Seu Walter começam a latir. Estão dizendo que ele não está sozinho, mesmo que pareça assim ser. Assustado, como quem não recebe visitas há muito tempo, ele conta, com muita dificuldade na sua fala, que depende dos vizinhos para poder ir ao médico. “Tem um posto de saúde lá no Capão Seco, mas eu fui um dia lá e nada”. Walter tem Neuropatia Periférica, ou “problema de nervo”, como ele chama, o que explica a dificuldade em sua fala. As causas dessa doença podem estar ligadas a outros problemas de saúde, como diabetes e alcoolismo. No caso de Seu Walter, os vizinhos afirmam que ele bebia muito, antes do episódio que teria final trágico se não fosse pelo finado Seu Isaías. “Aqui me deu um troço de repente”, assim descreve Walter sua “quase” morte. Ele parece não gostar de conversar sobre o assunto. Seu cantinho de terra está bem cuidado, a TV ligada enquanto conversamos e da varanda de sua casinha humilde é possível ver uma cadeira de rodas adaptada para banho.



Roupas no varal me dizem que talvez eu tenha chegado num horário inoportuno, mas a hospitalidade de Josefa me oferece um assento e água fresca. Tô com 38 – pergunto novamente a idade dela pra ver se eu ouvi direito – 38? – 38 não, – ela corrige rindo – 68, 38 é novo. A solidão não é um problema para esse casal, Seu Jair, 77, e Dona Josefa, que tem 68 anos e não 38. A companhia do neto, Mateus, e recentemente da filha, Tatiane, mostra a presença da família na vida dos dois idosos. Além deles, Josefa conta que os outros filhos aparecem de vez em quando, mas que nem todos concordam com a decisão deles de morar na zona rural. “Ah, muitos acha bão, outros não, por causa da saúde dele”. Ela está falando de Seu Jair que passou por uma cirurgia nos olhos que prejudicou ainda mais as suas vistas ao invés de melhorar. Ele, diferente da esposa, não fala muito. Antes de conseguir a transferência para Sidrolândia, Seu Jair fazia tratamento da vista em Campo Grande. Segundo Josefa, Seu Jair ainda precisa tomar remédio para controlar sua pressão todos os dias e quando acaba, eles precisam ir imediatamente ao posto de saúde mais próximo buscar mais.

Sobre a infraestrutura das estradas, Dona Josefa menciona um homem que morreu e os socorristas não queriam vir por conta da dificuldade do acesso até a região – o homem de quem ela fala parece ser Seu Isaías. Tatiane, filha do casal, interrompe: “A ambulância vem só até ali no Capão Seco onde tem asfalto e a gente tem que se virar pra ir até lá”. Ela continua, dizendo que o pai, Seu Jair, já teve duas crises e quase morreu. As coisas ficam mais difíceis quando se descobre que eles também dependem da boa vontade dos vizinhos que possuem carro para poderem ir até a cidade – no caso de consultas de rotina ou de uma emergência – que nem sempre possuem disponibilidade, e que também dependem muita das vezes de alguma ajuda de custo para gasolina ou até mesmo para a manutenção do veículo.


– Dom nato


Roupa simples, rosto suado, pés e mãos sujos de terra. Seu Donato, 75, estava cuidando de sua horta, antes de ser interrompido, mas parece não se importar com isso, pelo contrário, demonstra felicidade em receber visita. “Aqui não vem ninguém não, família vem, mai demora demais moço, mora longe”. Ele mora sozinho, enquanto dois de seus filhos moram em São Paulo, e um outro, mora em Dourados, MS. Quem olha Donato de primeira fica com a impressão de ser um senhor humilde, trabalhador e de pouco estudo, mas sua articulação nas palavras refuta essa última impressão. “A minha vontade é nunca parar de estudar, velho também estuda, cê sabia?”, questiona como quem está acostumado ao julgamento. “Eu queria continuar estudando, eu fiz, não terminei…” – ele pausa a conversa como quem está vasculhando a mente – “...o inglês, o português, esse eu fiz, que é o básico, e o espanhol que aqui chama castilho, né. Esse a gente conhece por prática por que aqui é cabeceira, aí eu comecei o Guarani, já tô conseguindo até um professor aqui”. Seu Donato é uma figura intrigante.

Dizem que quanto mais velho, mais sábio, seu olhar demonstra que ele sabe, e que viveu muita coisa. “Eu não preciso de terra não, eu preciso de uma casa pra morar” – diz o único idoso pego em flagrante cultivando a terra – “...se eu precisasse mesmo, que seria uma tendência de dom, eu já nasceria com o dom de progresso”. Me pergunto qual seria o “dom” de Seu Donato? – “...aí entraria o comércio, ou indústria, ou mesmo fazenda, por dom. Mas como eu não tenho dom pra essas coisas, tenho dom só pra trabalhar assim, braçal, onde eu tiver morando tá bom”, responde Donato, quase lendo meu pensamento.



Diferente dos outros idosos, Donato é o único que afirma não ter nenhuma doença. “A única doença que eu tenho é feiura e veiêra”, ele brinca. Sobre os falecidos vizinhos Donato afirma: “Eu conheci ele vivo” – Seu Isaías – “...e até assustei quando ele morreu, acontece né. Não é só ele que morreu não, tem outro pra cá, que trabalhava pra mim ali na chácara, teve uma semana que ele não veio, senti falta, falei com o meu irmão, chegamo lá, tava caído no corredor da casa. A casa fechada, o menino arrebentou a fechadura com o pé, e ele tava lá, o Carlinho”. Ele não demonstra surpresa nem preocupação. “Aqui morre muita gente” , afirma serenamente.

“Hoje a cidade não tá bom pra nóis não, quem tá lá, tá obrigado porque é necessário completar os 35 anos para aposentar”. Apesar do argumento de Seu Donato fazer sentido, depois da Previdência Social do Brasil ter passado por várias reformas, a última feita em 2019, com a vigência da Emenda Constitucional 103, extinguiu-se a modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição. Antes, realmente era como Seu Donato havia dito, de 35 anos de contribuição para homens, e 30 anos para mulheres, sem exigência de idade mínima. Mas hoje, com a reforma, homens com 65 anos de idade e 20 anos de contribuição já podem se aposentar, assim como mulheres, com 62 anos de idade e 15 anos de contribuição também.


Campo X Cidade: O paradigma de um envelhecimento saudável


“Uma das chaves para envelhecer bem é se manter ativo”. Essas são palavras do médico geriatra Marcos Blini, especialista em cuidados com pessoas idosas. “Normalmente o paciente que vive em zona rural tende a ter uma vida mais ativa tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista mental”. São as atividades como da Dona Antônia, de cuidar da roça, tratar dos animais, e de Seu Donato, de colocar a mão na massa e cuidar de sua horta, que representam os benefícios de morar na zona rural quando já se tem uma idade mais avançada, o que explicaria a fala de Dona Antônia quando disse que o trabalho lhe ocupava a mente. Blini comenta sobre as recomendações de exercícios físicos constantes para os idosos. “A pessoa que tá ativa no trabalho ali ‘braçal’ querendo ou não é muito melhor que uma pessoa que é sedentária e culturalmente a gente sabe que é difícil os idosos fazerem exercício regular”. “Braçal”, coincidentemente é o dom de destaque de Seu Donato.

Acordar com o cacarejar do galo, ou às vezes até antes. Quanto mais cedo mais produtivo o dia. As caminhadas tão recomendadas pelos especialistas, para eles são parte da rotina. Ver a plantação, cuidar dos animais, cortar madeira para o fogão de lenha, ir buscar leite ou queijo no vizinho, capinar as folhas do quintal e ver se as galinhas botaram ovos. Exercícios matinais que passam despercebidos. O tempo é diferente aqui no mato, parece que os dias são mais longos. Um cara da cidade que tá acostumado a almoçar tarde, nove horas da manhã já está almoçando. E dormir então? Faz sentido eles acordarem cedo já que vão dormir assim que o sol se põe.

É importante ressaltar o quanto a independência desses idosos agrega qualidade de vida, pois eles se sentem responsáveis por suas próprias escolhas. Segundo Blini, essa independência é um estimulante para eles. “Esses idosos que moram na zona rural, normalmente a família saiu para a zona urbana, então eles ficam sozinhos. É uma coisa que estimula eles a continuarem ativos, porque muitas vezes eles tem que se virar”. Até mesmo simples idas na cidade para fazerem compras, mesmo nos casos como de Dona Josefa e Seu Jair em que é necessário conseguir carona, são os próprios idosos que montam a logística para essas viagens.

O trabalho de montar a lista de compras, de conseguir a carona com o vizinho ou de pagar contas. “Um adulto” eu diria. Essa independência é muito importante para que eles não voltem a ser crianças considerando que o envelhecimento nem sempre é visto como algo natural. Lidar com a fraqueza, doenças da idade e com o fato de não ser mais tão novo às vezes não é fácil. Com o avanço da idade, também vem o paradigma de que quando se é jovem, a velhice é vista como maturidade, e quando se é velho, a juventude é uma saudade. Todos esses idosos tiveram parte de sua juventude na zona rural, e com a chegada da velhice decidiram por retornar ao mesmo estilo de vida que tinham em sua mocidade.

Independentes, mas não sozinhos, todos eles, com exceção de Seu Walter, descreveram que os filhos, mesmo que longe, mandam mensagem ou ligam, graças à internet. A questão é muito mais ampla do que apenas ser bom ou ruim. Um idoso com ou sem problemas de saúde pode morar na zona rural, até porque qualquer pessoa, sendo idosa ou não está sujeita a uma emergência médica inesperada, ainda mais em uma área isolada de atendimento médico. Porém, o isolamento como um todo é ruim, em especial para o idoso. Seu Isaías, apesar de morar sozinho, tinha amigos, conversava, mas não tinha quem se preocupasse com sua saúde e o levasse ao médico. Seu Waldomiro, vizinho que ajudou junto com Isaías a socorrer Walter, conta que Isaías se queixava de dores no peito, e que havia falado que iria procurar um médico antes do incidente acontecer. Outros vizinhos mais próximos relataram que ele evitava falar da família. Seu Isaías não tinha um filho presente que obrigasse o pai a se cuidar. “É uma questão logística, de organização mesmo”, ressalta Blini. O simples fato de ter alguém que ao menos insista para que esses idosos façam check-ups mensais ou semestrais, já preveniria muitas dessas intercorrências médicas surpresas, mas muitos deles evitam ir ao médico, e quando vão ficam impacientes para voltar.

Outra dificuldade no cuidado com os idosos que Blini conta lidar com frequência é a falta de fé nos tratamentos a base de remédios. Muitos idosos que moram na zona rural acabam por abrir mão do tratamento assim que o remédio acaba, ou simplesmente param de tomar o remédio, fazendo uso dos chamados “remédios naturais”, os famosos chazinhos e garrafadas de plantas e folhas, que muitas vezes nem são eficazes, podendo ser até prejudicial à saúde.

Mas e quando a família tem um cuidado excessivo com o idoso? A tendência nessas situações é o idoso ter uma piora em seu quadro clínico. Blini usa como exemplo um idoso em que a esposa é quem faz a comida e os serviços domésticos. Quando a esposa morre o idoso deixa de se alimentar direito e desenvolve depressão. A família preocupada com a saúde dele, acaba trazendo-o para morar na região urbana com a intenção de facilitar os cuidados e o tratamento deste idoso, mas justamente por estar longe do ambiente onde estava acostumado a morar e por perder sua independência, tem uma piora no seu quadro clínico e morre. Ou seja, a ideia da família era ajudar mas acabou por prejudicar o idoso, mesmo que nesse caso ele estivesse doente, tirá-lo de onde ele se sentia mais confortável foi um erro. É comum os idosos que dependem da família, ou que passam a depender em algum momento da vida, terem a sensação de estarem incomodando. Por esse motivo, a família precisa estar sempre atenta aos sinais de que eles não estão se sentindo à vontade ou que estão incomodados com algo.

Os filhos de Dona Antônia assim que ela foi diagnosticada com depressão poderiam ter intervindo e impedido a mãe de se mudar para um lugar afastado da cidade. Mas será que isso ajudaria ela no tratamento? Podemos lembrar que ela aponta o contato com a natureza como um dos principais fatores de sua melhora.


Qualidade de vida


Ampliando a perspectiva para fora do Mato Grosso do Sul, um estudo conduzido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) em 2018, que analisou a qualidade de vida de 182 idosos que moravam nas zonas rurais do centro-oeste mineiro, revelou que a maioria deles sentiam-se satisfeitos com a vida e com a saúde, principalmente quanto aos aspectos cognitivos, acesso a serviços, posse de bens e hábitos saudáveis. Problemas como o acesso a serviços básicos e à saúde revelam disparidades significativas entre os idosos das zonas rurais e os idosos das zonas urbanas. Fatores como acesso a transporte, distâncias geográficas para aquisição de bens e serviços e o tempo necessário para deslocamentos, além de transportes inadequados, às precárias condições das estradas, ou até mesmo a ausência delas, estão entre esses problemas. Considerando as vulnerabilidades em que estão expostos a vida no campo e na cidade, tem suas vantagens e desvantagens que definem realidades distintas.

Aqueles que residem em áreas urbanas desfrutam de condições mais favoráveis em comparação com a zona rural. O cenário urbano oferece benefícios socioeconômicos superiores, traduzidos em amplo acesso a meios de comunicação, serviços de saúde avançados e opções de lazer. Enquanto isso, os habitantes rurais por outro lado, possuem uma conexão direta com a natureza e os moradores urbanos precisam enfrentar a poluição e a vida agitada na cidade.

Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), qualidade de vida é “a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. A OMS amplia a definição de saúde para além da mera ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. Esta perspectiva reflete na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que avaliou as populações residentes em áreas urbanas e rurais no Brasil. Os resultados revelaram que 7,6% dos indivíduos com mais de 18 anos receberam diagnóstico de depressão, com uma prevalência mais acentuada na faixa etária de 60 a 64 anos, atingindo 11,1%. Notavelmente, a área rural registrou uma prevalência de 5,6% em adultos.

A trajetória do envelhecimento é influenciada pelas escolhas de vida de uma pessoa idosa, a vulnerabilidade socioeconômica e biológica desempenham funções importantíssimas ao longo desse percurso. A velhice, faz parte de uma jornada irreversível na vida de uma pessoa. Nesta fase da vida, existem diversos fatores que podem causar condições psicológicas, como a depressão. O aumento no uso de medicamentos e o surgimento de doenças crônicas, aliados à diminuição das atividades físicas, a menor interação social e a sensação de incapacidade, contribuem para uma percepção de saúde mais frágil, elevando a probabilidade de sintomas depressivos.

As interações sociais desempenham um papel fundamental na preservação e promoção da saúde, tanto física quanto mental. Estudos revelam a capacidade singular das conexões sociais de mitigar o estresse, especialmente em desafios pessoais, como o luto pela perda do cônjuge ou crises financeiras. Os benefícios positivos que surgem do suporte social à eficácia das formas de apoio proporcionadas pela família, podem variar desde o apoio emocional até o funcional. Para os idosos, a família se revela como um escudo, acalmando os efeitos adversos do estresse na saúde mental. Este efeito positivo é evidente à medida que o suporte, seja oferecido ou recebido e contribui para a fortificação do controle pessoal, exercendo uma influência benéfica sobre o bem-estar psicológico. Mesmo a quilômetros de distância, o suporte familiar auxilia no desenvolvimento da vida do idoso, visitas frequentes, assistência com necessidades básicas como medicamentos e alimentos, ou na simples presença, e no ato de cuidar, todos são elementos fundamentais no processo dessa fase única da vida.

Uma mensagem de bom dia, chamadas de vídeo ou de áudio. Parece pouca coisa, mas é uma forma de se manter presente na vida das pessoas que tanto amamos mesmo que a distância. O acesso a internet possibilitou esse encurtamento de fronteiras físicas, mas as fronteiras criadas pelo tempo e pela diferença de gerações ainda seguem em processo de adaptação para quem cresceu numa era onde os smartphones e as redes sociais nem haviam sido inventados. O rádio era uma tecnologia recente, e os brinquedos confeccionados manualmente como bonecos de sabugo de milho e estilingues, eram a principal opção para se divertir. Grande parte dos idosos tem dificuldades com aparelhos tecnológicos.

Em uma representação das boas dinâmicas familiares, a superproteção se torna complexa. Com o decorrer dos anos, a presença dos cuidados excessivos gera a diminuição da autoestima desses idosos. A percepção de uma autonomia perdida, a crescente dependência e a inatividade para retribuir os gestos de cuidado recebidos podem levar a insatisfação, estresse e depressão. Essas cargas emocionais não apenas pesam sobre os ombros do idoso, mas ecoam nas teias emocionais, afetando também aqueles que o amam. O que inicialmente poderia parecer um ato de carinho bem-intencionado pode, ironicamente, transformar-se em um desafio emocional complexo, onde o cuidado amoroso se torna um fardo emocional.

Numa narrativa econômica, as condições financeiras desempenham um papel fundamental no condicionamento físico e mental. A aposentadoria ou auxílio-doença, a espera pela assistência financeira, que por muitas vezes pode tardar, quando eventualmente concedidos, pode representar a única fonte de renda para aqueles que escolheram uma vida mais simples, afastada da cidade e de familiares. Além dos recursos escassos na localidade, as preocupações financeiras emergem como um risco, contribuindo para o estresse que, por sua vez, pode desencadear tanto doenças psicológicas quanto patológicas.

Em busca de uma vida plena e com qualidade durante o envelhecimento, a manutenção de hábitos saudáveis surge como uma prática vital, e como a maior riqueza da própria vida. No contexto rural, onde a produção e o consumo de alimentos naturais sem agrotóxicos são comuns, a opção por uma alimentação saudável contribui para a obtenção dessa tão almejada saúde, auxiliando como uma medida preventiva para aumentar o tempo de vida. Ficamos com o ensinamento de Seu Donato de que “quem cuida da saúde vive mais”.

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