top of page
  • lauras05

Artesanato é reflexo da cultura de Campo Grande

Mesmo em meio à era da tecnologia, a arte do fazer com as mãos apresenta técnicas milenares com estratégias do século 21


Texto e fotos: Gabrielly Pedra


A feira de artesanato Mãos que Criam movimentou a economia e a programação cultural da capital. De 20 a 24 de janeiro, representantes dos quatro mil artesãos de Campo Grande e outros do interior do Estado vieram expor e vender seus trabalhos no Armazém Cultural. Num olhar regional, o artesanato reflete a cultura indígena, com oito etnias no Mato Grosso do Sul. Guarani, Kaiowá, Terena, Kadwéu, Kinikinaw, Atikun, Ofaié ou Guató, é impossível desvencilhar a arte desses povos do cotidiano. A mistura de argila, bambu, ossos, pena e fio de buriti faz surgirem jarros, cestas, brincos, panelas, e o que a criatividade do que as mãos que criam permitir.

            Jonas Ferreira, artesão em Campo Grande, trabalha com a criação de diversos tipos de produtos, como brincos, colares, pulseiras e artefatos com argila. Ao mostrar cada peça feita, ele gasta tempo explicando a origem e o método usado. “Essa é uma técnica inca, dos povos originários da América do Sul, com a arte de entrelaçar o arame”, diz ao segurar os brincos que fez. “Aqui já são os trabalhos regionais, esses são feitos com capim dourado e este outro com buriti”, continua ao revelar suas obras.

Kamila Leite, formada em zootecnia e companheira de Ferreira, trabalha há mais de 10 anos com artesanato. Ambos produzem juntos e vivem de feira e feira. Jonas conta que é muito grato por essa vida. “A gente se encontrou muito cedo com a arte, faz 32 anos que eu venho fazendo artesanato, mantendo um legado através do voluntariado, repassando para as gerações futuras e muito satisfeito com as oportunidades e com o dom que Deus me deu.”

            Apesar de nem sempre receber reconhecimento e respeito, o artesão se mantém otimista com o futuro. “Hoje o artesão volta com tudo, com as pessoas se dando conta que temos que voltar lá atrás e buscar um trabalho com origem, com história. E através da mão dos artesãos, buscar sustentabilidade pro nosso planeta.”

            Há também aqueles que se encontraram nas adversidades. De acordo com uma pesquisa feita pelo Sebrae em conjunto com a Fundação Getúlio Vargas, entre fevereiro e março de 2021, o artesanato foi o quinto mais afetado pela pandemia da Covid-19, com uma perda de 46% no faturamento, que já contava com quedas em mais de 30% em 2020.

 

Mesmo com a Covid

 

Mas esse cenário não parou Helbert Garcia, de 28 anos. Originário de Jardim, interior de Mato Grosso do Sul, ele aprendeu o ofício da tecelagem com sua mãe. Entretanto, com o passar do tempo e com pouco investimento, decidiu tentar novas atividades fora da cidade natal, plano que só duraria até a chegada de 2020. Com a pandemia, Garcia voltou para poder cuidar da família e embarcou em mexer com outra matéria prima: a madeira. “A gente pegou umas madeiras que tinham lá em casa mesmo, e aí eu comecei a estudar, entender como funcionavam as espécies de madeira, quais ferramentas usar, que tipo de corte fazer, e fui me especializando.” Na serra e no martelo, começou a fazer móveis e logo percebeu que o que queria era fazer jogos educativos. “Surgiu uma oportunidade de ter feira na minha cidade, e a gente começou a tocar esses produtos e deu muito certo. Depois, a gente começou a regionalizar, no pantanal, fazer temas, e foi se diversificando até ter o que a gente tem: segmentos de luminária, de decoração, e brinquedos educativos.”

Artesanato em madeira veio com quarentena da Covid-19

            Para esse artesão, o que faz vai muito além de um produto, pois através de um trabalho, mudou a forma de ver e entender as coisas. Ele também relata outro lado positivo, já que seu relacionamento com a mãe, que já era bom, se tornou ainda melhor. Hoje, ela ocupa duas posições: uma que o sangue une, e outra, que o negócio juntou. “Ela é minha sócia, e a gente vai fazendo isso dar certo.”

 

Com a cabeça, as mãos e o coração

 

            Vale ressaltar também que na batalha entre manual versus intelectual, ambos são necessários e se complementam. O artesanato vai além do trabalho com as mãos, exige estudo, tempo e aprendizado. O fazer manual tem poder de manter a cultura e contar histórias nos detalhes, e até mesmo conhecer mais a fundo o que a natureza dá com respeito e responsabilidade. Helbert, que também é um futuro arquiteto, explica que para cada produto, precisa pensar em qual madeira é melhor para cada função. Ele pensa desde a cor até o cheiro, e não pinta nenhum dos objetos, mantém na sua filosofia o natural e único. “São peças únicas, e mesmo que elas sejam parecidas, nunca vão ser iguais.”

            De tudo, Garcia vê sentido em criar com significado, desacelerar e construir memórias. “A nossa cultura é o nosso olhar sobre a percepção do nosso dia a dia. A minha mãe pega de cada peça o que ela vê, o que ela sente e cada momento do que ela tá fazendo. E assim também é com os meus brinquedos, eu quero provocar emoções, fazer as pessoas sentirem alegria, concentração e competitividade, só que de uma forma saudável, em que elas possam rir e interagir com outras pessoas, coisas que acabam se perdendo ao longo do dia”, conta ele com o estande cheio de jovens que brincam com jogos adaptados pelo próprio autor.

            Apesar de certos estigmas como ser “coisa de pobre”, o artesanato toma espaço e ressignifica o “viver de vender arte na praça”. O que muitos tomam como piada, é na verdade uma fonte de renda viável que gera muitos debates. Mesmo com o apoio em feiras e eventos fomentados pelo estado, ainda há um caminho a ser trilhado para garantir melhores direitos a estes profissionais. Apenas em 2015, com a Lei 13.180, foi que houve a regulamentação da profissão do artesão no Brasil, o que se torna irônico, já que a profissão é uma das mais antigas do mundo. Jonas acredita que a união é a saída. “A partir desses últimos cinco anos, o artesão está voltando a ser valorizado, desde que se unam coletivamente, com associações ou mesmo coletivos, para que possamos impulsionar a arte. Ainda é muito complicado viver de arte em Campo Grande”, diz Ferreira.

            Muito além das bancas de rua, o artesanato move de empreendedorismo e se reinventa no século 21. Para viver de arte não basta o produto, mas as estratégias de venda. Com a ajuda da própria internet um objeto pode chegar ao outro lado do mundo. De bordado, brincos de crochê a brinquedos de madeira, os artesãos crescem nas plataformas de redes sociais como o Instagram e o Facebook. De acordo com o Sebrae, em 2023 o Brasil registrou mais de 8,5 milhões de artesãos, que são responsáveis por movimentar 3% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, isso significa, em média, R$100 bilhões num ano. Somente em Campo Grande, o Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro conta com mais de 4 mil artesãos que atuam na profissão.

8 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page