Caro, desvalorizado e marginalizado
- lauras05
- há 2 dias
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Mesmo com o boom após as olímpiadas de 2021, skate na cidade morena ainda sofre com preconceito, alto custo e falhas estruturais
Felipe Machado / Gabriel Diniz / Marcos Paulo Amaral / Mateus Adriano / Reuel Oliveira

“Comecei a andar de skate em 1988, em Campo Grande, por causa de uns amigos da rua onde eu morava. Oito anos depois, abri a loja Toys Skateshop, onde vendemos, além dos equipamentos, vestimentas, como calças, tênis, camisetas e acessórios relacionados ao mundo skatista”. Helmut Assis, de 48 anos, começou a praticar a modalidade ainda criança e passou a paixão para o ramo empresarial. Em 1996, com 19 anos, abriu uma loja de skate localizada na região central da cidade.
Hoje, sua loja também patrocina atletas, campeonatos e eventos campo-grandenses relacionados com o skate. Mesmo com essas iniciativas, para Helmut, a cena do esporte está “estagnada por falta de pistas novas e reformas das pistas que já existem”.
“Hoje não temos um lugar bom para praticar. Todas as pistas estão sem manutenção adequada e há muitas pistas antigas defasadas. Devido à crise econômica, os valores dos equipamentos aumentaram muito, isso dificulta muito. Se tivessem pistas novas e bem estruturadas, acredito que a procura seria maior”.

Funcionário da loja há 10 anos, Sanderson Benites, de 29 anos, diz que as vendas na loja física diminuíram após as Olimpíadas de Paris, no ano passado. Ele afirma ainda que um skate com equipamentos de alta qualidade pode chegar a custar R$ 4 mil.
"Aqui na loja a gente tem um skate que custa R$ 379, que já é com peças profissionais, vamos dizer assim, né? Mas para você montar um skate top, pode chegar até uns R$ 4.000 se você colocar as peças mais top que tem", disse.
Além das peças de skate, Sanderson lista o preço de alguns tênis, que podem chegar a R$ 1,5 mil, dependendo da qualidade do calçado. Ou seja, apenas o combo tênis e skate pode chegar a R$ 6 mil, cerca de quatro salários mínimos.
Para ele, o skate é algo que vem desde nascença. “Tem que nascer, ver os meninos andando skate na rua e aí sempre surge o interesse, em saber o que é o skate. Geralmente, as pessoas acham que o skate só é uma prancha com truque e roda. Mas o skate é mais que isso. O skate é um estilo de vida”.
Visão Retrógrada
Reynardt Pereira é presidente da Associação de Skate de Mato Grosso do Sul (ASMS) e relata que da década de 1990 até meados de 2010, havia duas lojas fortes criando eventos, campeonatos e fomentando o esporte em Campo Grande. Porém, isso foi diminuindo com o tempo, o que resultou na queda de interesse pelo skate na cidade.
“A gente precisa de mais eventos aqui no nosso estado. Isso acaba trazendo uma evolução muito grande no esporte e um alto nível, sabe? E mais adeptos, sempre mais adeptos. Cada vez que traz mais eventos, mais gente vai lá, se encanta com o esporte, começa a praticar e você mantém motivada essa galera que pratica”.
Sobre a infraestrutura, Reynardt é duro ao falar que é “nula e ridícula” na capital, o que acarreta em um menor número de praticantes, e cita que há várias pistas inaptas para uso, além de não construir uma nova há quase 15 anos. Mas, uma nova pista, com verba de R$ 2,5 milhões do Estado, vai ser lançada em breve no bairro das Moreninhas.
“Eu bato demais nessa tecla de pistas, porque se a gente não tem essa estrutura, a gente não consegue oferecer muita coisa. E se a gente não se agilizar, a gente vai perder esse potencial que a gente tem aqui no estado, que são grandes. A gente tem muitos bons atletas aqui”, reforçou o presidente da associação.
Reynardt também cita uma proposta de lei de 2023, de autoria do atual presidente da Câmara Municipal de Campo Grande, o Papy (Solidariedade), e vetada pela prefeita Adriane Lopes, que permitia e incentivava a prática de skate, patins e patinete nas quadras poliesportivas dos parques e praças da capital sul-mato-grossense.
“Poliesportivo deveria poder abranger vários esportes, tem quadra aí que tá abandonada que ninguém usa, é o espacinho que sobra para a gente andar, já que a infraestrutura é ridícula em Campo Grande. Aí a nossa prefeita foi lá e vetou a gente. Então isso é muito triste”.
Ele termina explicando que a associação é 100% voluntária, sem fins lucrativos e, por conta disso, não consegue ajudar os skatistas de baixa renda com material. Porém, com ajuda de patrocinadores, realizam campeonatos gratuitos para a comunidade.
“A gente premia do primeiro colocado até o décimo primeiro colocado nas categorias para poder trazer material para essa galera ter que usar. Então é a forma que a gente consegue hoje ajudar o pessoal, sabe?”.
Skate como Arte
“As pistas aqui em Campo Grande são terríveis”. A fala do jornalista e skatista de 28 anos, Lucas Caxito, reflete a realidade da prática na capital sul-mato-grossense. Lucas começou seu contato com o skate aos seis anos, por influência do irmão, e aponta que, na época, o skate tinha uma grande influência cultural.
“Naquela época a cultura de ir pra rua brincar era muito forte ainda. Era uma época em que o skate estava inserido muito na cultura de rua, de hip hop, o Charlie Brown estava muito em alta, então a gente andava, a gente gostava de tudo isso, então muita gente andava de skate e aprendia todo mundo junto, ia evoluindo junto com os amigos, e isso é um traço muito forte do skate”.
A força dessa cultura não foi estendida à disponibilidade dos produtos para a prática. De acordo com Lucas, as melhores e principais marcas de peças de skate são norte-americanas, país de origem do esporte, ou seja, muitas dessas peças precisam ser importadas e acabam com custo alto.
“Esse está entre os maiores desafios para quem anda em Campo Grande e no Brasil, um skate com peças todas gringas de primeira qualidade gasta fácil R$3 mil. O shape corre o risco de quebrar a qualquer momento. Se você cair errado você pode quebrar ele e aí enfim, o shape de qualidade hoje em dia é R$300, R$350. eu acho que esse é o maior desafio assim o preço das peças”.
Em relação às pistas disponíveis pela cidade, a situação não melhora. Para o jornalista, grande parte dos locais de prática estão abandonados pelos poderes públicos e a manutenção precisa ser feita pelos próprios skatistas, que se unem para manter a pouca qualidade que ainda restam nas pistas.
“A manutenção das pistas quem faz são exclusivamente skatistas. A pista do Parque das Nações Indígenas, a melhor da cidade, só está adequada ainda por conta dos praticantes. A pista da Orla foi inaugurada em 2010, uma pista com muito potencial, está completamente abandonada. Toda quebrada, cheia de mato, cheia de terra. É sofrível, a prefeitura abandonou tudo”.
Além dos problemas estruturais, Lucas comenta que o preconceito contra o esporte ainda é muito presente. De acordo com ele, Campo Grande é um local com muita gente “conservadora e ignorante” e que vê os skatistas como “baderneiros e vagabundos”, que não aceitam sua prática como aceitam a do futebol.
Apesar das dificuldades, Lucas vê o skate como uma potência cultural, uma” arte”, em que cada skatista possui sua individualidade, maneira de praticar e de se portar perante a sociedade do skate.
“É o seu estilo, cada pessoa tem sua particularidade, seu jeito de andar e que será respeitado e apoiado. E aí vai depender muito do jeito que você se veste também, tem os caras que são mais punk, tem os caras que usam roupa larga, vai muito da particularidade de cada um, e por isso que é considerado uma arte para muitos, porque cada pessoa vai ter sua individualidade e sua forma de se expressar em cima do skate”.

O skate na história
Inspirado nos patins de gelo e scooters, uma espécie de patinete motorizada, o skate surgiu no mundo há quase 100 anos, nos Estados Unidos, quando jovens começaram a prender rodinhas e eixos em um pedaço de madeira. Somente 40 anos depois o esporte veio para o Brasil, chamado de “surfinho”, trazido às terras tupiniquins por surfistas estadunidenses.
Porém, o primeiro campeonato nacional da modalidade só foi rolar lá para o final de 1974, no Primeiro Clube Federal, no Rio de Janeiro (RJ). Pouco tempo depois, em dezembro de 1976, foi inaugurada a primeira pista de skate do Brasil, novamente no estado carioca, mas dessa vez em Nova Iguaçu, na Praça Ricardo Xavier da Silveira. Além da primeira pista em solo brasileiro, ela também foi a pioneira na América Latina.
Entre altos e baixos, o skate brasileiro participou pela primeira vez de um campeonato mundial na década de 80, em 1986, no Canadá, ficando na quinta colocação por equipes. Mesmo com a ascensão nacional e internacional, a modalidade sofreu represálias de Jânio Quadro em 1988, quando o então prefeito de São Paulo decide proibir que praticassem o esporte no Parque Ibirapuera, determinação que seria ampliada para todo o território paulistano após protestos sem sucesso de skatistas.
Em 1989, no Mundial da Alemanha, Lincoln Ueda conquista o quarto lugar na categoria profissional, o primeiro grande feito individual de um skatista brasileiro em solo estrangeiro. Mesmo ainda sendo desvalorizado e sofrendo boicote de parlamentares, por exemplo durante o Governo Collor (1990-1992), a modalidade cresceu em número de praticantes e, em 1997, Bob Burnquist, com apenas 21 anos, foi eleito o melhor skatista do mundo. No futuro, o carioca viria a se tornar o maior nome brasileiro no esporte, sendo o maior medalhista do X Games, com 30 medalhas.
A era pós-surgimento de Bob é de muita relevância para o crescimento midiático do skate no Brasil. Em 2000, é fundada a Confederação Brasileira de Skate (CBSk), ficando o pé da modalidade no crescimento progressivo de praticantes e pistas ao redor do país. Com o passar do século XXI, campeonatos e profissionais brasileiros foram surgindo, até que, em 2016, o skate se tornou um esporte olímpico, com muitos expoentes tupiniquins.
Nas Olímpiadas de 2021, em Tóquio, no Japão, dois brasileiros “medalharam”, sendo Kelvin Hoefler, prata na categoria Street masculina, e Rayssa Leal, com apenas 13 anos, também segundo lugar no Street feminino. Após Paris-2024, o Brasil ficou na segunda colocação com o maior número de medalhas olímpicas na modalidade, com cinco (três pratas e dois bronzes), atrás apenas do Japão, que tem nove (cinco ouros, três pratas e um bronze).
Hoje, segundo pesquisa da CBSk, há 8,5 milhões de praticantes de skate no Brasil, com um “boom” considerável após o aumento da mídia com as conquistas nas Olimpíadas.
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