Da rebeldia à arte
- lauras05
- há 2 dias
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O grafite como expressão de cultura e política no MS
Gyovana Marinho, Giovanna Fernandes, João Vitor Marques e Livia Medina
Grafite ou pichação? Arte ou crime? Pelas ruas de Campo Grande, muros apagados e abandonados ganham cores e brilho a partir da habilidade e da criatividade de artistas ainda pouco valorizados e reconhecidos. Seja através de escritas, com fontes gráficas estilizadas, ou de desenhos elaborados, a arte embeleza o ambiente urbano, marcado pelo concreto, e é capaz de levar uma mensagem a quem a observa.
O grafite no Brasil teve início como pichação, uma forma de protesto durante a ditadura militar. Jovens que se opunham à repressão do Estado deixavam frases espalhadas pelos muros das grandes cidades para expressar seu descontentamento. Com o tempo, o movimento se desenvolveu, e os rabiscos passaram a conter, além de protestos, declarações de amor, assinaturas e demarcações de territórios. No país, a pichação é considerada crime de vandalismo contra o patrimônio público ou privado, enquanto o grafite é reconhecido como uma forma legítima de arte urbana.
Intimamente ligado à arte contemporânea, o grafite tem sido utilizado por artistas renomados, tanto no Brasil quanto no exterior. Para o professor de Artes Visuais João Rampi, a arte contemporânea “bebe da fonte do grafite”. “Perceberam que dentro da cultura urbana e marginal surgem bons artistas, boas técnicas e boas formas de fazer essa poética contemporânea”. Além das cores vibrantes que se destacam no cinza das cidades, as tipografias e as técnicas também evoluem ao longo dos anos.

João Rampi reconhece que a pichação é o berço do grafite, mas destaca que a arte não deve ser confundida com o crime. “A pichação é agressiva, ela rouba o olhar para algo duro, algo agressivo, enquanto o grafite é poético, tem um intuito”. Rampi acredita que a transição de uma forma de vandalismo para uma expressão artística reconhecida ocorreu de forma natural, já que a arte absorve tudo o que acontece na sociedade.
Gislene Brandão, conhecida como La Bruxa, se apaixonou pela arte do grafite em 1989, na cidade de São Paulo, onde visitou o estúdio do artista Jorge Antas, que lhe ensinou sobre essa expressão artística. Após trinta e seis anos, o grafite segue sendo uma parte essencial da vida da artista.
La Bruxa declarou que durante sua carreira enfrentou muitos problemas por pessoas não entenderem sua arte e a questionavam sobre a razão por trás de seus trabalhos. “Hoje ainda tá um pouquinho melhor, mas tem, tem esse lance, né? Da família não entender. Você vai pintar, mas por que que você tá indo? As pessoas não entendem muito bem esse lance de você querer colocar a arte na rua”
O professor entende que, mesmo sendo uma arte tida como marginal, o grafite precisou do reconhecimento de meios tradicionais de arte para ser aceito como tal. “Apesar de ser uma arte pública, o grafite foi mais legitimado quando entrou para uma instituição, um salão de arte e um museu”.
O grafite e o pixo, como formas de expressão urbana, lutam por visibilidade e reconhecimento em um sistema que historicamente silenciou as vozes das periferias. O preconceito não é apenas estético, mas também social, refletindo um modelo educacional que uniformiza as diferenças em vez de valorizar a pluralidade.
Este é o caso da artista campo-grandense Thais Maia, que atua com graffitis “desde bebê”, e enfrenta dificuldades para valorizar a arte na Capital. “O Graffiti nunca foi valorizado em Campo Grande e eu duvido muito que um dia vai ser, pra nós que trabalhamos com isso, lidamos constantemente com pessoas achando que devemos trabalhar de graça em troca de divulgação, como se divulgação pagasse contas”.
“Trabalho feminino no Graffiti”

O graffiti, segundo Thais Maia, sempre foi dominado por homens, principalmente no Mato Grosso do Sul. Maia admite que, em outros estados, há um maior número de movimentos femininos que são bem unidos e fortes, destacando o trabalho feminino no graffiti. “No MS, só existe briga nesse cenário, então não faz diferença se aqui você é homem ou mulher, aqui é cada um por si”, apontou Thais Maia.
Em estados como São Paulo e Rio de Janeiro, coletivos femininos de graffiti e hip hop, como o Efêmmeras Crew e o Minas de Minas, promovem eventos e ações para fortalecer o trabalho de mulheres na arte urbana. No entanto, segundo Maia, essa união ainda não se consolidou no Mato Grosso do Sul.
Maia dá um conselho para todas as mulheres que desejam entrar no mundo do graffiti, ”comece por você, você não precisa de NINGUÉM pra começar. Pegue uma folha e começa a desenvolver seu estilo próprio, estude! Não espere alguém abrir portas pra você, não espere alguém te ensinar, porque isso não vai acontecer”.
Para La Bruxa, alguns obstáculos em sua carreira foram devido ao fato de ser mulher e mãe. Durante um longo período de sua carreira, a artista trabalhou ao lado de seu parceiro Jorge, e a presença masculina facilitava sua integração nesse meio. No entanto, após o falecimento dele, ela percebeu que não era mais chamada por outros artistas para colaborações. Durante a infância de sua filha, a artista precisou deixar de praticar sua arte em muros para cuidar da filha. “Durante esse tempo, às vezes ele, às vezes eu, fazia os desenhos e ele (seu marido) saía para pintar, porque muitas vezes eu tinha que ficar com a minha filha, não podia acompanhar ele”.

Embora a representação feminina no grafite tenha aumentado, a artista acredita que ainda é muito baixa em comparação à masculina. Ela relatou que sua presença como mulher nesse espaço ainda causa um estranhamento em alguns artistas. “Em 2022 estava pintando em São Paulo e um cara chegou para mim e falou assim: "Nossa, mas eu nunca vi uma mulher grafiteira". Para reforçar sua presença como mulher, ela costuma retratar principalmente figuras femininas em tons de rosa e lilás, com o intuito de destacar a figura feminina por trás dos murais. “Não que eu acredite que o homem tenha que usar azul e a mulher rosa; não acredito em nada disso, mas é uma forma de mostrar que ali tem uma mulher pintando”. além disso, o próprio nome artístico “La Bruxa”, surgiu como uma maneira de representar a força feminina e latina.
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