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Educação indígena dentro e fora das aldeias

Educação é um direito de todos e um dever do estado, mas nem todo mundo tem acesso a um ensino de qualidade.


Anny Cardoso, Mileny Rodrigues, Nicoly da Silva e Rafaela Ribeiro


Bandeira do Brasil, feita pelos alunos da Escola Municipal Sulivan Silvestre (foto: Mileny Rodrigues)


A educação indígena é marcada por muitos impasses desde o Ensino Fundamental até a graduação. No estado Mato Grosso do Sul, além das poucas escolas disponíveis perto das aldeias, duas das grandes dificuldades encontradas pelos alunos é a falta de recursos escolares e o incentivo das próprias aldeias para que tenham acesso à Educação Básica e a níveis mais avançados. Essas dificuldades aumentam ainda mais quando esses estudantes querem ingressar em uma universidade de outra cidade, com uma nova vida repleta de desigualdades financeiras, culturais e dificuldades no próprio aprendizado.

Grade diferenciada – escolas contemplam a cultura indígena (foto: Mileny Rodrigues)


A Escola Municipal Sulivan Silvestre, localizada em Campo Grande, na aldeia urbana Marçal de Souza, é uma das instituições que conta com uma grade diferenciada e levanta questões culturais indígenas. A diretora Maria Heliza relata as dificuldades financeiras, espaço limitado e os obstáculos em oferecer um ensino que mantenha os valores culturais ainda presentes. “Tudo que nós vamos fazer depende da parte financeira. A gente se esforça, dentro das limitações. Nós temos o apoio da SEMED (Secretaria Municipal de Educação), porém, não é possível atender a todos”, afirma a diretora.

De acordo com o estudante Ângelo Antônio, a educação indígena está adquirindo cada vez mais destaque e mostrando-se focada na valorização de sua cultura e costumes dentro das comunidades. O acesso ao ensino recebeu melhorias a partir dos últimos anos, como por exemplo, a questão da locomoção até a escola em Miranda, onde existe apenas uma única escola estadual para seis comunidades.

“A nossa maior dificuldade era no sentido de veículo, como ir à escola, e agora temos direito ao ônibus escolar. Moro na Aldeia Mãe Terra, em Miranda, e frequento a escola Cacique Timóteo, na aldeia Cachoeirinha’’. Ele também relata sobre o ambiente escolar ser favorável aos alunos indígenas na questão do aprendizado através da língua materna, o que é de muita importância aos estudantes pelo afastamento da cultura em aldeias urbanas. Entretanto, em relação aos recursos disponíveis, o aluno afirma ser mais precário. “A gente só tem acesso aos livros, não aos aparelhos tecnológicos, nem laboratório, trabalhos químicos”, lamenta o aluno.

Apesar de seus 26 anos, Ângelo se encontra no segundo ano do Ensino Médio e coloca a educação como algo fundamental em sua vida, diz sonhar em concluir o ensino para conseguir ingressar numa graduação. Quando era adolescente precisou largar os estudos para cuidar da família e buscar uma fonte de renda, sendo possível retornar aos estudos somente agora. Devido à falta de apoio que encontrou em toda sua vida, hoje incentiva seus filhos a continuarem estudando. “Eu acompanho os meus filhos na escola, incentivo a valorização da cultura, principalmente a língua terena. Eles falam em português na escola, e em casa a gente fala na língua materna”, comemora Ângelo.

De acordo com o levantamento mais recente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) , entre 2011 e 2021, a quantidade de matrículas de alunos autodeclarados indígenas no Ensino Superior aumentou 374% no Brasil. Apesar do crescimento expressivo, o número de alunos no ano de 2021 era equivalente a 0,5% do total de alunos do Ensino Superior. Entre os universitários que concluíram seus estudos, observa-se que a quantidade de alunos matriculados em universidades privadas (84,4%) é muito maior quando comparado a rede pública de ensino (15,6%).

Em uma roda de conversa, alunos indígenas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no campus de Campo Grande compartilharam suas experiências e trajetórias até chegarem ao mundo acadêmico.

“Eu entrei (na universidade) em 2020, na pandemia, e aí eu tive que parar porque lá, na minha aldeia Buriti, não tinha internet. Eram poucas as casas com acesso e quando veio a pandemia todo mundo ficou dependendo da internet e lá caía toda a hora. Nessa época, eu tranquei o curso. Depois fiquei sem condições para alugar um quarto. Essa parte financeira me pegou depois da pandemia. Eu consegui voltar para a universidade ano passado (2022), em julho”, conta Iara Campos, estudante de Enfermagem.


Espaço Rede Saberes Indigenas, na UFMS, onde os estudantes se encontram (foto: Mileny Rodrigues)


Da aldeia Kadiwéu em Porto Murtinho, Claucir Matchua, também estudante de Enfermagem na UFMS, conta que além de sentir vontade de desistir da graduação também já se sentiu sozinho e com medo de se expressar em português.

“Na UFMS, foi um impacto muito grande, um choque cultural. Eu não conhecia ninguém. Como a gente fala na língua materna na minha aldeia, a gente tem essa dificuldade e medo de se expressar na cidade. Da minha família, eu sou o único que está em um curso superior”, declara o aluno.

Os alunos demonstram as diferenças em cada aldeia e como foi o processo de educação antes mesmo da chegada de cada um na universidade em Campo Grande. Iara sente que por sua aldeia estar na área urbana no município de Buriti, ao passar do tempo seu povo perdeu o costume da fala da língua materna e se distanciou da cultura, e sentiu a falta disso em sua educação básica. Diferente de Erilaine, também estudante de Enfermagem e da aldeia Cachoeirinha, que contou sobre a língua Terena prevalecer em sua aldeia e essa ter sido a sua maior dificuldade ao chegar na capital.

“A gente que não fala bem o português tem essa dificuldade, às vezes uma vergonha de sofrer preconceito, de não saber ‘falar bem’. Eu tive muito isso quando entrei ano passado, em 2022, fui aprendendo aos poucos”, expõe Erilaine.

Além disso, todos comentam sobre como foi o ensino básico que receberam em suas aldeias, com diferença significativa entre os materiais recebidos das escolas, a grande presença de docentes não indígenas, a falta de incentivo dentro de certas comunidades e o transporte que agora vem sendo mais acessível entre as áreas rurais e urbanas. Assim que se formarem, todos eles pretendem voltar para suas aldeias.


Alberto Terena – direito à educação indígena (foto: Mileny Rodrigues)


O chefe de divisão da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) de Campo Grande, Alberto Terena, mostra que o direito à educação se transformou durante os anos conforme as mudanças nacionais, como a criação da Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI) no ano de 2010, cuja ação deu oportunidade a formação de professores indígenas e discussão das bolsas de permanência de universitários - incluindo mestrado e doutorado. Antes disso, na década de 90, havia um departamento dentro da FUNAI que trabalhava com a educação básica escolar, logo após passou a pertencer ao Ministério de Educação (MEC), com uma parceria entre prefeituras e estados para trabalharem dentro das comunidades. Com esse feito, ele relata que o acesso ao Ensino Médio começou a se dificultar, pois os moradores das comunidades precisavam se deslocar à cidade mais próxima em que houvesse uma escola. Como educador, Alberto alega que muitas coisas melhoraram com o passar dos anos, como o transporte que leva os estudantes até as escolas, algo que era visto como o maior empecilho. Atualmente, o problema deixou de ser o meio de locomoção e passou a ser a baixa disponibilidade de recursos e estrutura. “Até pouco tempo atrás não tínhamos sala de informática, creio que de uns cinco anos pra cá estejam sendo colocadas. Mas ainda hoje a internet não é das melhores. Os recursos e estrutura da escola ainda precisam de algumas coisas, principalmente sobre a tecnologia que hoje é fundamental para aqueles que querem ingressar na universidade e para aqueles que querem continuar sua carreira profissional”.



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