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Entre a Cruz e a Constituição

Relação direta entre Estado, religião cristã e conservadorismo é comprovada pela ciência política e pela história

Brendha Luisi e Letícia Furtado



Brasil, um Estado laico que, por vezes, usa a bíblia acima da constituição (foto: Letícia Furtado)


A influência da direita nas religiões cristãs no Brasil não é novidade. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi uma manifestação formada por grupos conservadores com o predomínio de senhoras católicas no ano de 1964. O protesto tinha por objetivo a deposição do governo de João Goulart e passou a se chamar “Marcha da Vitória” após o Golpe Militar do mesmo ano.

Semelhante situação ocorre mais de 50 anos depois, em que atos evangélicos foram usados para cunho político nas duas últimas eleições. A Marcha para Jesus, celebração da fé cristã, recebeu o ex-presidente Jair Bolsonaro, que no ano de 2022 discursou sobre "o risco de o Brasil virar uma nação pintada de vermelho socialista" e a “guerra do bem contra o mal”. Segundo a pesquisa Quaest, na eleição à Presidência de 2022, Bolsonaro teve 51% dos votos entre evangélicos, e Lula, apenas 27%.

O cientista político e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Daniel Miranda aponta os fenômenos para explicar a direita presente no cristianismo. De um lado, indica que as religiões tendem a ser mais conservadoras, então , elas têm uma maior abertura aos discursos da direita. Por outro, há um crescimento de adeptos da religião que acabam sendo mais radicais. O especialista explica, por exemplo, que o novo convertido possui uma fé mais intensa naquilo que ele acredita do que pessoas que nasceram em lares tradicionais de uma determinada religião, gerando uma maior inclinação à polarização. “De acordo com o ponto de vista sociológico, as comunidades evangélicas tendem a criar laços mais fortes do ponto de vista político do que outras religiões”. Conforme o censo do IBGE de 2010, até o ano de 2032 os evangélicos serão maioria no Brasil, ultrapassando os católicos.

Daniel ressalta um outro fenômeno importante. Segundo ele, há vários estudos da ciência política brasileira que mostram que os líderes religiosos, principalmente entre os evangélicos, estão muito mais à direita do que os próprios fiéis. “Como os pastores são lideranças, eles enxergam a organização também como base para a expansão do poder e arrecadação de mais recursos financeiros.”

Ele também explica o contato direto da igreja Universal (maior representante do movimento neopentecostal no Brasil) com a política. “A Igreja Universal não apenas se aproxima da política mas tem um partido dela que é o Republicanos, então, não é simplesmente se aproximar da política, mas é fazer política diretamente. E ao mesmo tempo que ela é uma igreja, ela também é uma imensa empresa que tem canal de televisão, rádio e o partido político. Então, o lugar da igreja brasileira dificilmente seguirá à esquerda, por causa da tendência inerente aos valores”.


E os seguidores?


As instituições religiosas utilizam da sua influência para persuadir os fiéis a seguirem suas convicções. “Eles levantaram uma bandeira enorme do Brasil, tocaram o hino nacional e falaram que a gente tinha que votar em quem se alinhasse ao pensamento cristão e orar pelo Brasil para o bem vencer”, relata a estudante Lorrayna Araújo, que frequentou igrejas protestantes durante o período eleitoral.

Ela ainda conta que a questão da submissão da mulher ao homem e o preconceito com a comunidade LGBTQIAPN+ são explicitamente pronunciados nos cultos. “Durante uma dinâmica de desejos para o ano novo, uma menina pediu uma oração para que seus pais aceitassem sua sexualidade e o responsável pelos jovens a repreendeu dizendo que seus pais não tinham que aceitar nada, que Deus criou o homem e a mulher e, por isso, ela que estava errada. Então ela começou a chorar enquanto os professores falavam para todos o quanto isso [a homossexualidade] era errado”.

Outra pessoa incomodada com a relação da religião com a política é o professor Adriano Bressan que, devido ao apoio ao governo de direita ficar explícito nas missas, parou de frequentar a igreja católica durante a última eleição. “O posicionamento político-partidário tomou o lugar do discurso religioso em alguns momentos, com claras críticas e tentativas de vilanizar o socialismo, o comunismo, e toda e qualquer vertente política que fosse diferente

do capitalismo”. Ele ainda relata que, embora nunca tenha sido coagido por ser de esquerda, desde as eleições de 2022 percebe o acirramento entre diferentes ideologias.


Fé, razão e política


A ligação entre o cristianismo e o Estado é tão antiga que a história cristã se confunde com a história política Romana. De acordo com o mestre em Antropologia social, filósofo, sociólogo, teólogo e historiador Dihego Espíndola, a igreja era apenas um grupo de pessoas que seguiam a Jesus e desde o momento em que o Império Romano assimilou o cristianismo com base nas suas estruturas sociais, políticas e religiosas, a igreja nunca mais se desvinculou do sistema político. A dissociação entre um e outro ocorreu no Iluminismo, época em que os pensadores começaram a idealizar uma sociedade sem a influência direta da religião, do cristianismo especificamente, e os Estados se tornaram laicos.

O historiador esclarece que é possível separar politicamente um Estado da religião, todavia, em um país como o Brasil, onde a maioria é cristã, os comportamentos morais e as relações implícitas entre a política e a sociedade irão conter aquilo que de alguma forma o cristianismo estabelece como verdadeiro. “Nós não temos uma religião oficial, tanto que no Brasil você pode ser aquilo que desejar e até mesmo pode acreditar em absolutamente nada, só que nós temos uma maioria cristã e por isso o comportamento religioso vai influenciar no comportamento político”, explica.

Embora o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Brasileira, estabeleça a liberdade de crença aos cidadãos, garantindo um Estado laico, a influência cristã está presente nos três poderes. Os tribunais possuem crucifixos, os evangélicos ocupam 14,61% dos deputados da Câmara, segundo o levantamento feito por Guilherme Galvão Lopes - pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) - e a pesquisa Datafolha realizada em 2019 indica que 84% da população é cristã.

O historiador Espíndola narra que durante a história da humanidade houve conflitos em nome de um sistema religioso e que vários sistemas totalitários e autoritários surgiram em nome de uma divindade. “É perigosíssimo quando a igreja quer tomar um papel que não é dela, o papel do Estado é do Estado e o papel da igreja é da igreja”. Ele também exemplifica com a aprovação de projeto pela Comissão da Câmara para proibir o casamento homoafetivo propondo alteração no Código Civil, que nesse caso teve por base a declaração de fé acima da Constituição.

A lei N°10.825/2003 define que são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas. Entretanto, o Estado tem o poder de intervir nos direitos da religião quando o direito humano é violado.


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