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Entre a motivação e a obsessão

O impacto das redes sociais na vida fitness e nos transtornos alimentares


Alexandra Cavalcanti, Gabriella Couto, João Pedro Flores e Lauren Netto



Acordar de manhã, pegar o celular na mesa de cabeceira e deslizar os dedos pela tela é um ritual quase automático. As primeiras imagens que aparecem são corpos esculpidos em moldes de perfeição, acompanhados por sorrisos brancos cintilantes e legendas motivacionais. A vida fitness, tão minuciosamente registrada e exibida nas redes sociais, parece um sonho alcançável. Mas, e se essas postagens não existissem? Será que a disciplina e a dedicação à rotina saudável permaneceriam?

A busca incansável por aprovação e admiração on-line tem levado muitos a transformar suas vidas em um espetáculo contínuo, em que cada refeição e cada treino são compartilhados com uma audiência ávida por inspiração.

No entanto, por trás das fotos de smoothies coloridos e abdomens definidos, esconde-se uma realidade sombria. Padrões estéticos irreais, promovidos por influenciadores e celebridades, têm servido de gatilho para transtornos alimentares. Anorexia, bulimia e ortorexia encontram solo fértil na incessante necessidade de corresponder a uma imagem idealizada.


Manu Cit, uma das blogueiras mais influentes no nicho fitness, compartilha diariamente em seu Instagram, com seus quase dois milhões de seguidores, uma rotina fixa e extremamente regrada: a estudante desperta às 4h da manhã, segue uma alimentação rigorosamente controlada, pratica musculação, corrida, natação e ciclismo, passa nove horas na universidade e se deita por volta das 20h.

Com tantas atividades realizadas em um único dia, surge a pergunta: qual a linha tênue entre a busca por um estilo de vida saudável e a obsessão por um padrão inatingível? Quando as câmeras se desligam e os filtros desaparecem, o que resta é a verdade nua e crua: a saúde, o bem-estar e a realidade não podem ser medidos em curtidas e comentários.


Imediatismo


Para a nutricionista Júlia Melo, a onda de influenciadores fitness fomenta a busca por resultados imediatos e irreais. Segundo ela, a percepção distorcida das rotinas compartilhadas nas redes sociais pode gerar frustração e uma falsa expectativa de facilidade.

“Eles mostram apenas o lado positivo de suas vidas, não mostram o cansaço nem a rotina estressante, e aí as pessoas acabam vendo aquela rotina perfeita, se sentem frustradas e querem que suas vidas sejam iguais”.

Para Júlia, por exemplo, não é incomum receber em seu consultório, pacientes influenciados pelas redes sociais. Desde dietas milagrosas ao uso de anabolizantes, a propaganda feita por blogueiros fitness faz com que estes hábitos irreais ganhem um reforço extremamente danoso.



Transtorno


Justamente a exibição de rotinas e corpos ideais foi algo impactante para a estudante de Medicina Eduarda Crespo, de 23 anos. A estudante luta contra um distúrbio alimentar desde a infância e, ultimamente, parou de seguir diversos influenciadores para poder priorizar sua própria saúde mental.

“O distúrbio alimentar  é uma coisa extremamente competitiva. Tipo, quando você olha o Instagram, essas redes sociais, principalmente no Brasil, essas influencers fitness propagam muito do comportamento do distúrbio alimentar sem nem saber do que estão falando”.

Depois de muitas reincidências, Eduarda está há três anos “limpa” do distúrbio alimentar. Na longa caminhada para sua recuperação, um de seus primeiros passos, aconselhada por sua psicóloga, foi limpar as redes sociais. “A minha psicóloga, uma das primeiras coisas que ela me instruiu a fazer foi entrar no meu Instagram, entrar no meu Twitter, nas minhas redes sociais e deixar de seguir todo mundo que eu sabia que podia representar um gatilho, sabe?”, explicou a estudante.


Comparação


Em sua música "jealousy, jealousy", a cantora Olivia Rodrigo exclama: "Eu meio que quero jogar meu telefone do outro lado da sala, porque tudo que vejo são garotas boas demais para ser verdade. Com dentes brancos como papel e corpos perfeitos, queria não me importar, eu sei que a beleza delas não é minha falta, mas parece que esse peso está nas minhas costas, E eu não posso deixar isso passar, a comparação está me matando lentamente."






Fora das letras das músicas, essa comparação referida pela artista também molda os conceitos de beleza. A estudante de Medicina Lara Lúcio Gonçalves, de 20 anos, comenta: "Eu acho que a comparação vem de muito antes, antes mesmo das redes sociais. Acho que vem desde quando eu fazia balé e tinha que ser extremamente magra. E aí os padrões só foram mudando e se 'adaptando', menos magreza, mais músculo, essas coisas assim. Mas, de qualquer forma, sempre fui influenciada por alguém e por alguma coisa."

Lara começou a praticar atividades físicas aos quatro anos de idade. Iniciou com balé e explorou outros esportes ao longo da vida. Atualmente, faz musculação e atletismo. Na adolescência, regulava sua alimentação para manter um corpo magro. Aos 16 anos, trocou o balé pela academia, buscando um corpo mais musculoso, parecido com aqueles que as blogueiras postam nas redes sociais. Hoje, Lara lida melhor com as questões corporais, mas no passado, sofreu com extremos: a restrição e o excesso. "Eu sempre tive crises de compulsão, seguidas de restrição. Ficava ansiosa, comia demais e depois me culpava, então não comia nada."

Atualmente, Lara Lúcio pratica musculação e atletismo. (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)


Segundo a psicóloga Mariana Quinzani, o crescimento das redes sociais intensificou a comparação e contribuiu para o aumento dos distúrbios alimentares. "Hoje vemos uma incidência maior de transtornos alimentares. Muitas pessoas não conseguem mais postar uma foto sem filtro, não se reconhecem sem eles. Isso aparece de uma forma tão violenta, às vezes a gente olha para alguns casos, que a gente começa a ver uma alta, uma incidência cada vez maior de casos de transtornos alimentares. A gente vê cada vez mais pessoas reclamando de questões que estão próximas a isso, e que não necessariamente podem configurar um distúrbio, mas que ainda assim trazem um sofrimento".

A busca incessante pela imagem idealizada e filtrada nas telas leva cada vez mais pessoas às cirurgias plásticas, tentando se aproximar daquilo que veem, mesmo que seja uma versão distorcida e irreal.

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (SBCP), o Brasil é o segundo país que mais realiza intervenções cirúrgicas no planeta, atrás apenas dos Estados Unidos. Durante a pandemia, a crescente exposição do rosto em reuniões on-line, lives e outros compromissos virtuais levou muitas pessoas a focarem mais na aparência facial. A face, que nos distingue como indivíduos únicos e autênticos, passou a ser o centro das atenções. Com isso, muitas pessoas começaram a perceber sua insatisfação com a própria aparência. Como resultado, as cirurgias plásticas faciais dispararam, aumentando mais de 300% e continuam a crescer a cada ano, segundo estudos da SBCP. Essa tendência é especialmente evidente entre os mais jovens, com os cirurgiões plásticos notando um aumento significativo no número de pacientes com menos de 30 anos.

"Antigamente as pessoas chegavam com a foto dos famosos e falavam, por exemplo, 'eu quero ter o lábio da Angelina Jolie'. Hoje a gente não precisa mais da foto da Angelina Jolie, a gente consegue achar o filtro e falar 'olha, eu quero esse rosto'. Eu já ouvi muitos cirurgiões plásticos dizendo que as pessoas não chegam mais com uma foto de uma famosa, como antigamente, agora elas chegam com uma foto delas mesmas, mas com filtro".


Estética


Com o Instagram e outras redes sociais, o ser humano nunca se observou tanto. Constantemente diante de um pequeno espelho de mão, buscam formas de melhorar o que veem. E nesse aspecto, os filtros do Instagram e os retoques fazem maravilhas. Porém, quando a realidade não condiz mais com o que enxergamos na tela (retocado e disfarçado), começa uma insatisfação crescente acerca de si mesmo.

Para Tamiris Nogueira, a estética vai além do Instagram. Formada em Odontologia com pós-graduação em estética facial e harmonização, ela opera como odonto-esteticista. Segundo ela, a maioria das pessoas busca um dentista por estética, mas isso não significa que o processo seja apenas visual. “Quando uma pessoa coloca aparelho, ela pode vir só porque os dentes estão desalinhados, mas o desalinhamento pode provocar problemas de saúde. Só que esses problemas só serão solucionados porque foi visto uma falha na estética”.

A dentista explica que a preocupação chega quando os pacientes buscam soluções de estética sem necessidade alguma. “Muitas vezes o acesso ao Instagram e outras redes sociais são prejudiciais nesse sentido. A pessoa acha que tem um problema, mas na verdade ela não tem nenhum”.

Segundo a Academia Americana de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva Facial (AAFPRS), após a Covid-19, os números de procedimentos não invasivos para anti-envelhecimento foram maiores do que em qualquer outro período da história. Além disso, uma pesquisa realizada pela mesma academia no ano de 2019 revelou que 55% dos cirurgiões plásticos entrevistados relatavam atender frequentemente pacientes que buscavam procedimentos para se assemelhar aos filtros de selfies populares no Instagram.

Outro fator que possibilitou o aumento das cirurgias na pandemia foi o tempo disponível para recuperação em casa. Com os empregos parados ou em home office, muitas pessoas que tinham o desejo de se submeter a uma cirurgia, mas não podiam se recuperar tranquilamente, puderam então realizar seus procedimentos.

Os especialistas chamam esse aumento de “Efeito Zoom”, uma vez que todas as reuniões de trabalho, escola, eventos, conversas entre amigos e família eram feitas por aplicativos de ligação em vídeo, como o Zoom, Google Meet, entre outros. As pessoas estavam constantemente olhando para si mesmas em vídeo, e ao contrário das redes sociais, esses aplicativos não oferecem nenhum tipo de efeito ou alteração facial para os usuários.


A influência e a responsabilidade no Instagram


A crescente influência das redes sociais tem levado muitos a explorar novas áreas de interesse e aprofundar-se em paixões pessoais. Nathan Godoy, de 22 anos, é um exemplo desse fenômeno. Ele iniciou sua jornada na calistenia em 2019, inspirado por referências no Instagram, como o calistênico Luiz Otávio Mesquita. Calistenia (do grego kallos, que significa beleza e sthenos, que significa força) é um conjunto de exercícios físicos nos quais se usa o peso do próprio corpo. A busca por movimentos que sempre desejou realizar, como a bananeira e o mortal, também motivou sua dedicação ao exercício.

"Eu era bem gordo, então emagreci bastante e comecei a treinar também para me fortalecer. Buscava, principalmente, o domínio corporal, então consegui fazer os movimentos, independente do peso do meu corpo, consegui me movimentar, ter uma consciência corporal, um corpo funcional, não só grande ou esteticamente bonito, mas um que realmente seja para tarefas diárias"

Desde 2019, Nathan pratica a calistenia. (Créditos: Reprodução/Redes Sociais)


No entanto, houve desafios ao longo do caminho. O jovem relata que enfrentou dificuldades devido ao consumo excessivo de conteúdos nas redes sociais, o que o levou a questionar os resultados obtidos com seu corpo. "Isso afetou uma época da minha vida. Eu me comparava muito com pessoas que tiveram, às vezes, resultado até mais rápido que eu. Só que cada um é cada um, cada um tem sua individualidade, tem seu metabolismo, tem o seu tipo de treino. Então, não é certo a gente se comparar com alguém. Porque o resultado, ele vem de maneiras diferentes para cada pessoa".

Nathan passou a usar a rede social para divulgar seu conteúdo de calistenia e, atualmente, possui mais de 18 mil seguidores. O intuito dele é ajudar o máximo de pessoas através das suas postagens.

"É muito bacana isso, porque da mesma forma que ele (Luiz Mesquita) me ajudou a começar, agora eu estou ajudando outras pessoas. Então, o que mais me motiva é isso, é eu ajudar alguém a começar a se cuidar. Bastante gente me procura para tirar dúvidas sobre a calistenia, sobre por onde começar”.

Com 18,9 mil seguidores, Nathan sente que tem um compromisso com eles, pois espera que estes entendam o conteúdo e consigam absorver aquilo que é para ser passado, sem se comparar com ninguém, e ter uma vida saudável.

 

Nas redes sociais, a personal trainer Liliane Silva se inspirou em um professor de Educação Física para começar um desafio novo. Após vê-lo correr todos os dias durante um ano, independente da quilometragem, ela decidiu se exercitar durante os 366 dias de 2024. "A ideia principal não é treinar todos os dias, mas sim se manter ativa sete dias por semana durante todo esse ano".

Mesmo sendo difícil manter a constância devido ao cansaço e ao estresse diário, Liliane chega ao 200º dia sem falhar. Para driblar os obstáculos que podem aparecer durante a rotina, a personal prefere treinar logo pela manhã, para ter o sentimento de estar mais perto do seu objetivo final.

"Ano passado, eu negligenciei muito essa parte de musculação e treino, então a primeira base desse desafio é bater os 366 dias, independente do resultado lá na frente".

Mas, como as postagens dos seus treinos no Instagram podem ajudá-la a não faltar? "Justamente a responsabilidade da galera. Tem tanta gente, que eu nem conheço, e vem falar comigo sobre o desafio, pessoas que começaram também por minha causa ou iniciaram treinos agora. Então, é massa ver essa parte, em que você não faz só por você, mas inspira outras pessoas a fazerem".

Um trecho do livro Hábitos Atômicos, de James Clear, pode refletir o que estes personagens da vida real, tanto Nathan quanto Liliane, refletem. "Nada sustenta melhor a motivação do que pertencer à tribo. O pertencimento transforma uma busca individual em compartilhada".


Corpo Real x Corpo Ideal


Filtros de edição em redes sociais permitem modificações faciais que cirurgias plásticas não alcançam. Aplicativos de edição reconstroem a fisionomia de uma pessoa com apenas alguns cliques, tornando perigoso basear-se no que se vê e buscar esses resultados sem considerar as consequências. Rotinas exaustivas em busca de um corpo perfeito, informação disponível sobre alimentos, exercícios, remédios e cirurgias prometendo resultados rápidos, e influenciadores propagando "conhecimento" afetam aqueles que buscam uma vida saudável com a ajuda da internet.

Embora as redes sociais possam facilitar o acesso a informações sobre saúde e bem-estar, elas também têm o potencial de exacerbar problemas relacionados à imagem corporal. A influência digital pode distorcer a percepção de beleza e incentivar comportamentos extremos. Em vez de promover uma abordagem equilibrada à saúde, muitas vezes elas alimentam a obsessão por padrões inalcançáveis. Por isso, é fundamental encontrar um equilíbrio, adotando práticas saudáveis sem sucumbir à pressão das redes sociais, que muitas vezes transforma o cuidado com o corpo em uma busca desenfreada por perfeição.

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