Fé e Perseverança
- lauras05
- 22 de jun. de 2023
- 4 min de leitura
“O ‘achar’ não vai resolver nada, não muda, não vira a chave”
Eliel Dias e Emilly Nunes
O vento soprava nas costas. O frio, uma leve cócega na pele, dominado pelo calor do sol. Olhou para a água a sua frente, a mente dispersa, os olhos à procura de algo no horizonte. Mexeu os braços e cada braçada levava a canoa longe de onde tinha começado, O suor do esforço lavava qualquer preocupação do coração, deixada para trás. O som do parque sumia em meio ao vento enquanto sentia os respingos da água, mais e mais impetuosa à medida que era perturbada.
Lucas Ramon Pereira Ortiz, sul-mato-grossense, 32 anos, é uma pessoa que vai atrás de seu sucesso e seus sonhos sem medo. Casado e cristão, acredita que tudo que for para ser, Deus irá colocar no seu caminho e no tempo certo. Com 13 anos, saiu de sua cidade natal, na fronteira com o Paraguai, junto à mãe devido a problemas familiares.
“Eu cheguei na minha ‘véia, na minha mãe e falei: ‘eu quero ir embora, quero estudar em outro lugar, porque aqui não tem futuro’. Quando eu já era molequinho, já nasci com certo tipo de visão meio fora da caixinha.”
Aos 26 anos, foi boxeador, construtor civil, e dono da própria empresa, quando sofreu um acidente de carro por imprudência de outro motorista. Ao tentar ultrapassar uma carreta e não conseguir, o outro carro o acertou de frente, e como consequência, ficou paraplégico. Lucas permaneceu em coma por 14 dias antes de acordar e perceber o que aconteceu.

Fotos: Eliel Dias
“Quando abri os olhos, vi minha mãe, minha esposa e muitas pessoas em volta perguntando para mim se eu sabia onde estava, porque não foi só o coma que aconteceu, foram inúmeras coisas que aconteceram na pancada e hoje eu tô vivo aqui falando isso.”
Um entusiasta do esporte, seus olhos brilham ao falar das competições e dos treinos, e a linguagem se transforma na de um jovem alegre e empolgado. Lembrar do acidente muda sua postura drasticamente. Suas costas se encurvam e seus olhos evitam o contato ao relembrar a tragédia. A voz quebrada ao reunir forças para contar os detalhes do acidente, o que acarretou na sua vida profissional e pessoal. Sua esposa e sua mãe são recordadas com carinho e afeição na voz, em sua compreensão e apoio nos dias em que tudo parecia perdido, menos a vida pela qual estava grato.
“Traumatismo craniano, as dez costelas do peito fraturadas, os dois pulmões perfurados, o coração deslocado quatro milímetros para o meio do peito, um ombro deslocado, uma fratura exposta no fêmur direito em dois lugares, o pé direito quase dilacerado, o pulso quebrado, a testa cortada.”
Lucas provou ser uma pessoa forte mentalmente, pois mesmo ao saber das consequências de seu acidente, teve que lidar com isso em razão da continuidade da vida. Conseguiu seguir motivado graças ao apoio de sua família e dos amigos. Sua força vem da sua fé em Deus, e o ajudou a enfrentar a nova realidade e a aprender a conviver com sua deficiência.
Depois de um ano de reabilitação, voltou à área dos esportes. Por sugestão de uma amiga, tentou a canoagem e nela encontrou um esporte que trabalha força e resistência. Já completa 1 ano e 6 meses que pratica essa modalidade, que hoje se tornou uma de suas paixões. A dedicação e o foco nos treinos ainda fazem parte de sua rotina com musculação e canoagem três vezes por semana. Tudo isso em dias diferentes para não sobrecarregar seu corpo e conseguir dar o seu melhor, mas nunca sem esquecer de ter uma alimentação saudável e um bom descanso são essenciais para um ótimo atleta.
“A canoagem é um estilo de vida que poucos conhecem, mas, devagar, ela veio me agregando um pouco dessa área, no lado pessoal.”
Atualmente, ele é o paratleta em quarto lugar no ranking estadual de canoagem. Em sua primeira competição, conseguiu uma vitória e se destacou em sua categoria, ele é uma das promessas da canoagem do Estado de MS para competir em campeonatos nacionais.
“Eu compito também nas áreas nacionais, eu venho lutando pra entrar, só que é barra pesada, os caras nem parecem aleijados. Os caras são tudo um bando de touros dentro do barco.”
Hoje, Lucas continua com uma vida profissional em conjunto com sua esposa na área de vendas com produtos como lingerie, semijóias e roupas em um site de revendas criado em 2002, que atua no mercado através de distribuidores independentes e empreendedoras espalhadas por todo o Brasil.

“Tudo na vida, seja com a pessoa que ficou deficiente ou até para pessoas que não são deficientes, tudo se resume em tentar. O ‘achar’ não vai resolver nada, não muda, não vira a chave. Tudo vai mudar, a vida, a visão, o comportamento, quando você tenta, mesmo sabendo que vai dar errado. Você fala ‘ah, vai dar errado’. Então você não tentou. Tenta, que às vezes não é isso que acontece. Nós temos crenças erradas, nós temos visões turvas”.
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