Novo marco na conservação de Xenarthras brasileiros, preservação da fauna silvestre ainda é um desafio
Amanda Ferreira, Beatriz Santos, Carlos Eduardo Ribeiro
Foto: João Marcos Rosa
O Instituto de Pesquisa e Conservação de Tamanduás no Brasil expandiu seu trabalho para Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. O órgão, que já contava com uma sede em Aquidauana, teve sua inauguração na capital no dia 22 de março com diversas ações culturais, como grafite de um mural ao vivo, palestras ambientais e shows do cantor Guga Borba.
Nova sede do Instituto Tamanduá, contou com a finalização do grafite das espécies Xenarthras/ Foto: Amanda Ferreira
A Organização Não Governamental foi fundada em 2005 pela médica veterinária Flávia Miranda. A professora também é presidente do Instituto Tamanduá. Referência mundial há 19 anos na conservação das Xenarthras (superordem que inclui tamanduás, preguiças e tatus). Miranda graduou-se em Medicina Veterinária na Universidade Estadual do Paraná e fez doutorado em Zoologia na Universidade Federal de Minas Gerais.
Flávia Miranda durante seus estudos de campo com o Instituto Tamanduá
Foto: Arquivo Pessoal
A pesquisadora também é líder do grupo de Avaliação de Espécies Ameaçadas/Táxon Xenarthra pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Flávia foi coordenadora do Plano de Ação (PAN) para Conservação do Tatu-bola pelo Ministério do Meio Ambiente e participou da criação do Parque Estadual do Cânion do Poti.
Flávia Miranda com um Cyclopes didactylus, mais conhecido como Tamanduaí, o menor tamanduá do mundo. Pesa 240 gramas. Foto: Devian Zutter
A paixão pelos tamanduás nasceu quando, ainda em seus estudos na escola agrícola no Pantanal, realizava pesquisas de campo na região e desenvolveu curiosidade sobre o animal. Ela relatava que os tamanduás desapareciam durante o período das aulas.
“Os animais sempre fizeram parte da minha vida. A minha paixão pelos tamanduás começou desde pequena. E eu comecei a ver e pensar, que animal lindo é esse. Depois, já na faculdade, pude fazer meu primeiro estágio e tive a oportunidade de cuidar de um filhote de tamanduá”, relembra Flávia.
Pesquisa de campo sobre preguiças-de-coleira na região da Bahia.
Foto: Arquivo Pessoal
Mamíferos exclusivos da América Latina, os tamanduás existem no mundo há cerca de 65 milhões de anos. A fundadora explica que na era do gelo, a espécie de preguiça-gigante de seis metros de altura e um tatu com altura comparado a um fusca, pesavam cerca de uma tonelada.
Instituto Tamanduá sob recuperação de uma espécie de bicho
preguiça na Bahia. Foto: Arquivo Pessoal
“Existiam diversas espécies de Xenarthras das mais diversas formas e tamanhos. Alguns exclusivos da América Latina, mas a maioria entrou em extinção devido às mudanças climáticas.”
Pesquisas e conservação
Com a nova sede do Instituto Tamanduá em Campo Grande, o intuito é ampliar o trabalho de conservação e cuidado das espécies. Flávia, que já contribuiu, juntamente com o órgão em 2017, a descoberta de seis novas espécies e um subfóssil de tamanduá, bem como uma nova espécie de preguiça-de-coleira, a nova localização aprimorará as pesquisas da instituição.
“Atualmente, temos quatro bases: Bahia, Maranhão e Piauí. Estamos agora vindos para cá, para Campo Grande. A ideia é lançar nossa sede administrativa, nossa base. Como temos um espaço, queremos que essa base seja não apenas ambiental, mas também cultural." destaca.
Entre 2005 e 2009 a instituição realizou o Programa de Saúde de Tamanduás em zoológicos brasileiros e descobriu que a falta de vitamina K e taurina era uma das causas principais de problemas de saúde dos tamanduás em cativeiro.
Em 2011, o órgão expandiu sua pesquisa lançando o Projeto Tamanduaí no Nordeste Brasileiro, em áreas de Mata Atlântica litorânea. Esta espécie possui populações distintas na Amazônia e no Nordeste e são as menores espécies de Tamanduá no mundo. A população nordestina era considerada extinta em 2009, quando foram avistados indivíduos sem Pernambuco e Maranhão. Os membros da pesquisa, coletaram material biológico, gerando informações sobre genética e epidemiologia, e mais conhecimento sobre a espécie.
A novidade representa um marco significativo para a organização, que busca impactar o mundo de forma íntegra e inovadora por meio de ações de pesquisa, educação e políticas públicas, visando o equilíbrio do meio ambiente e sua biodiversidade.
A nova sede do Instituto Tamanduá, abrigará escritórios administrativos, laboratórios e um amplo espaço ao ar livre que será utilizado para eventos e atividades educacionais.
"Neste novo espaço, teremos os escritórios, toda a base, laboratório, e atrás, temos um espaço que é como um campo de futebol. Onde realizaremos eventos, receberemos escolas e palestras”, explicou Flávia.
Espécie de Tamanduá sob cuidados do Instituto Tamanduá com parceria do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul. Foto: Arquivo Pessoal
O Instituto Tamanduá realiza projetos essenciais, como o "Orfãos do Fogo", criado após os incêndios no Pantanal de 2020. Este projeto visa tratar e reabilitar animais feridos, especialmente os filhotes, para poderem retornar à natureza e viver plenamente em seu habitat natural.
"Vir para Campo Grande é um momento importante para nós", afirmou Flavia. "Estamos colaborando intensamente com o Governo de Mato Grosso do Sul para reintroduzir os animais órfãos do Pantanal, que chegam ao CRAS ainda filhotes."
A nova sede na capital morena, buscar devolver, projetos, já protocolados, envolvendo captura de contenção dessas espécies, monitoramentos, pesquisas de novas e velhas espécies e também a reintegração desses animais na natureza.
Uma das principais estratégias de conservação do instituto é o manejo sustentável das áreas protegidas, garantindo que esses espaços permaneçam saudáveis e propícios para a sobrevivência das espécies nativas. Isso inclui ações como controle de incêndios, proteção contra caça ilegal e monitoramento da biodiversidade.
Enfrentando adversidades significativas, Flávia Miranda aponta: "São vários desafios. Cada bioma é de um jeito, cada bioma tem o seu desafio, as suas ações, então depende da comunidade também. Aqui no Pantanal a gente está trabalhando muito forte com as ações contra o fogo, contra incêndios florestais e atropelamentos. Todas essas ações são para evitar ameaças contra o tamanduá."
Em parceria com o Projeto ECP tatu-bola, realizaram uma campanha
de monitoramento da população de tatus-bolas em Sumidouro, Bahia Foto: Arquivo Pessoal
Além disso, o Instituto Tamanduá colabora com órgãos governamentais, ONGs e instituições de pesquisa para desenvolver e implementar políticas e práticas de conservação eficazes. Essa parceria estratégica é fundamental para fortalecer as iniciativas de preservação e ampliar seu impacto positivo sobre o meio ambiente.
Ao mencionar os parceiros do instituto, a presidente ressalta a colaboração essencial: "Nós trabalhamos com muitos projetos, inclusive temos aqui (na abertura do instituto) alguns de nossos parceiros, como a Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), instituto arara-azul, grupo de bombeiros. Todos juntos para preservar nosso Pantanal."
Por meio de programas de voluntariado e engajamento comunitário, o instituto envolve ativamente a população local e interessados na conservação ambiental. Essa participação é essencial para promover uma cultura de cuidado com a natureza e garantir um futuro sustentável para as gerações futuras.
Tatu-bola sob análise de estudos pelo Instituto Tamanduá. Foto: Devian Zutter
Quando se trata da contribuição da população, Flávia destaca a importância da conscientização: "De todas as formas a população pode ajudar, acho que no dia a dia a gente tem que pensar nas nossas ações, no nosso consumo, né? Valorizando a nossa fauna pantaneira. As pessoas não estão conseguindo entender a riqueza que a gente tem aqui em Campo Grande, em MS. Estamos em um Bioma que tem uma das maiores biodiversidades do mundo. Todos querem conhecer o Pantanal e a gente que mora aqui não dá o devido valor. Então, a gente vem com esse espaço democrático para trazer arte, educação e principalmente falar sobre meio ambiente."
Outros projetos que atuam no estado
O Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), fundado em 2010 e idealizado por Arnaud Desbiez, tem quatro projetos que visam a preservação da fauna silvestre: Projeto Tatu-Canastra, Bandeiras e Rodovias, Canastras e Colmeias e Heróis da Estrada.
Segundo dados levantados pelo ICAS, os tamanduás são os animais ameaçados em extinção com maior taxa de mortalidade por atropelamento em Mato Grosso do Sul. E é por meio do projeto Bandeiras e Rodovias que é realizado o monitoramento dos tamanduás livres por radiotelemetria e da fauna atropelada nas rodovias BR-163 e BR-262.
Equipe do ICAS encontrou um Tamanduá albino escondido em uma área de mata em Três Lagoas (MS) Foto: Luisa Barbieri
No período entre o início do projeto em 2017 e 2020 foram registradas 12.400 mortes de animais silvestres por atropelamento nas rodovias de MS. Destes, 761 eram tamanduás-bandeira, mas estima-se que muito mais foram mortos, devido à baixa persistência da carcaça. Essas colisões reduzem pela metade o crescimento populacional desta espécie que já está ameaçada de extinção.
De acordo com a pesquisadora Grazielle Soresini, esses acidentes acontecem em grande parte quando os animais estão no período de reprodução sexual.
“Eles se deslocam em busca de alimento, de parceiro na época reprodutiva. Quando atingem a maturidade sexual, eles se dispersam, chegando a deslocar grandes distâncias. E assim, acabam inevitavelmente cruzando as rodovias. A gente contribui gerando dados… pesquisa, né? E compartilhando as soluções que acreditamos ser adequadas para diminuir as colisões veiculares com a fauna. Mas é necessário o engajamento dos motoristas, dos tomadores de decisão”.
Por esse motivo, o projeto está na fase de tentar entender os comportamentos e hábitos sexuais dos tamanduás-bandeiras.
“Atualmente, estamos focados em entender melhor a dispersão da espécie, bem como estudar a taxa reprodutiva desses animais, a maturidade sexual e comportamentos parentais.”
No momento, estão sendo acompanhados pelo Bandeiras e Rodovias 15 tamanduás-bandeira com colete GPS, sendo: sete fêmeas adultas, três machos adultos, quatro juvenis (incluindo o único tamanduá-bandeira albino conhecido no mundo) e um filhote.
Captura de Tamanduá no Cerrado de MS realizado pelo ICAS no projeto “Bandeiras e Rodovias” Foto: Mario Alves
Como maneira de engajar o público geral, o ICAS tem outro projeto voltado para a atuação da população. O projeto Heróis da Estrada busca integrar os caminhoneiros na tarefa de ajudar na preservação da fauna silvestre estadual.
O motorista interessado em ajudar pode baixar de forma voluntária o aplicativo online de monitoramento que emite alertas sobre risco de colisão com animais em algumas rodovias do estado. O aplicativo também tem uma opção para o motorista notificar quando vir algum animal na estrada como antas, tamanduás e capivaras.
Áreas desmatadas em MS prejudicam conservar espécies de Xenarthras Foto: Mario Alves
Outra maneira de ajudar a preservar a vida desses animais e evitar acidentes é sempre prestar atenção na pista quando estiver dirigindo e evitar os horários de maior atividade desses animais. A pesquisadora Grazielle cita alguns cuidados que os motoristas devem ter:
“Respeitar a velocidade máxima permitida na rodovia e dirigir sempre com atenção, especialmente ao dirigir por áreas mais conservadas. Como a maioria dos tamanduás-bandeiras cruzam rodovias à noite, evitar dirigir à noite pode reduzir as taxas de encontro com eles na pista”, reforça Soresini.
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