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Literatura Indígena e sua (in)existência no Mato Grosso do Sul

Com a terceira maior população indígena do Brasil, Mato Grosso do Sul possui apenas uma autora, de etnia Guató, com dois livros publicados


Amarílis Pires, Fernanda Monteiro, Gabriel Barbosa e Nathana Nunes.


Gleycielli Nonato ainda luta por mais espaço, para ela, como autora indígena, e para seu povo, dentro da literatura, que é pouco difundida em nosso estado. O Mato Grosso do Sul, que detém a terceira maior população indígena do Brasil, curiosamente possui apenas uma escritora indígena com livros publicados. Para ela, é essencial dar visibilidade a futuros autores indígenas que gostariam de produzir literatura mas são silenciados. “Leia e viva bastante. Siga com amor à sua ancestralidade e respeito às outras. A literatura dos povos originários é a ramificação da sua ancestralidade”.



Segundo o mestrando em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, José Fernando Rosa Graça, a ausência de mais autores indígenas “é falta de interesse do governo, porque se a gente for realmente investigar o fundo de verba governamental, há certas coisas que poderiam ser publicadas e não são. Além disso, as pessoas têm dificuldade em entender os editais, às vezes até nós, estudantes, temos dificuldade em entender certas palavras presentes no edital”.


Falta interesse do governo

Paralelo a isso, a Gerente de Patrimônio do FIC, Melly Sena, afirmou que a Fundação tem por objetivo promover políticas públicas. Entretanto, elas não são tão difundidas e, por isso, não alcançam todas as minorias. Sendo assim, o problema não é a falta de políticas públicas, e sim, a falta de inclusão da população. As dificuldades também foram percebidas por Gleycielli Nonato durante o processo de publicação de seu segundo livro, pois, segundo ela, o edital era extremamente burocrático. Ressaltou ainda que ter indígenas trabalhando como peões é mais proveitoso para o governo do que ter autores indígenas produzindo literatura.


Falta incluir a população nas políticas públicas



“Quando não te dão espaço, você conquista”



A mulher de cabelos escuros, presos em uma trança lateral e com um adorno vermelho que segue de sua orelha por toda a extensão das madeixas, nos recebeu sorridente. Com sua fala suave e, ao mesmo tempo, marcante, Gleycielli Nonato contou sobre sua trajetória na literatura e todos os desafios até se tornar a primeira autora indígena sul-mato-grossense com livros publicados.


Única representante: autores indígenas não são publicados no MS

Nascida em Coxim e pertencente à etnia Guató, durante a infância estudou em um colégio católico e, por não se sentir pertencente a nenhum grupo, refugiou-se na biblioteca do local. Lá, ela lia muito, assim teve início seu interesse por literatura. Ao mesmo tempo, gostava muito de música, e começou a fazer aulas para conseguir colocar notas musicais dentro das poesias. “A poesia é isso, é uma coisa instintiva, ela sai, flui. E a poesia começou a fluir em mim desde pequena. O primeiro gênero literário que eu comecei a escrever foi a poesia”.

No ano de 2006, mudou-se para Campo Grande, onde residia em uma república de artistas, fundada por José Mauro Messias. Na capital, cursou Jornalismo, mas após três semestres, decidiu mudar para Artes Cênicas. No curso, teve um contato mais profundo com a interpretação e participou de movimentos de teatro de rua e manifestações culturais. Ao finalizar a graduação, presenteou-se com uma viagem pela América do Sul – visitou o Paraguai, o Uruguai, a Argentina e a Bolívia. “Fui conhecendo quilombos, comunidades indígenas. Fui para conhecer o meu próprio povo, o povo Guató, porque eu sou uma desaldeada. Eu não fui criada dentro da comunidade Guató, assim como 80% do meu povo”. A etnia Guató vivia espalhada pelos onze pantanais e hoje esse território não pertence mais aos povos indígenas. “Muitos de nós se viram obrigados a trabalhar dentro dessas fazendas como peões pantaneiros. Essa neocultura pantaneira, que o Brasil tem orgulho e existe no Mato Grosso do Sul, só existe porque diluíram e mataram a cultura do povo Guató. E isso aconteceu com a minha família, que teve que sair das suas terras para procurar emprego e sobreviver”, lamentou a autora.

Posteriormente, Gleycielli Nonato retornou para Coxim, casou-se e teve filhos. Ao mesmo tempo, começou a faculdade de Letras, porém, não conseguiu dar continuidade devido às responsabilidades como mãe e esposa. Sobretudo, a paixão pela escrita não deixou de existir. Gleycielli Nonato continuou participando de concursos de redação e poesias e, em 2012, ganhou o prêmio Manoel de Barros na Vigésima-quinta Noite Nacional de Poesia, ao declamar “Índia do Rio” no teatro Glauce Rocha. Um ano depois, em 2013, a poesia foi transformada no primeiro livro publicado da autora, mas de forma autônoma. “Com o lançamento do livro Índia do Rio, as portas para a literatura profissional se abriram e vieram outros concursos, e uma coisa foi embalando a outra. No fim, eu já estava como um dos 10 livros mais lidos do estado”.



Já o processo de publicação de seu segundo livro, “Vila Pequena: causos, contos e lorotas”, deu-se em 2017, por meio da editora Life, e, para que ele fosse publicado, Gleycielli Nonato submeteu a obra ao edital do Fundo de Investimentos Culturais (FIC). Nele, a autora deu detalhes do projeto do livro, fez o orçamento da publicação e aguardou a verba ser liberada para que ocorresse o lançamento.

Em suas obras, a escritora procura trazer a relação dos indígenas com a natureza, a luta feminina e a memória de seu povo. Para ela, é essencial falar acerca de sua ancestralidade e suas origens.


Literatura indígena: uma visibilidade necessária


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1 Comment


jhulia.evelyn.diasg
Sep 04, 2023

Excelente matéria, parabéns ao grupo!

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