O Coletivo Madre Loca reúne mães feministas que buscam dar ajuda umas às outros e tem loja fixa no Laricas Cultural
Murilo Medeiros e Pietra Dorneles
Às 9h da quinta-feira, o Laricas Cultural já estava aberto e não fecharia antes da meia-noite. Na frente do espaço cultural, duas crianças brincam entre as mesas na calçada. São o filho e a sobrinha da mulher que está no caixa, Luanna, proprietária do local. A brincadeira só é interrompida quando surgem duas outras figuras: Erika e seu filho Pablo, 10 anos, chegam ao Laricas e os outros dois correm entusiasmados para abraçá-lo.
Erika Pedraza é uma mulher alta, com a pele negra e os cabelos crespos na altura do ombro. Com um sorriso marcante e gestos enérgicos, ela usa brincos alaranjados e um colar de pedras coloridas. É a fundadora do Coletivo Madre Loca, além de professora e, sobretudo, mãe e artista.
Logo que deu à luz Pablo, Erika e sua amiga, Priscila Mecenas, também artista, iam a feiras culturais na capital sul-mato-grossense para vender suas produções. Elas precisavam levar os filhos ao trabalho, mas se depararam com várias dificuldades. As feiras começavam à noite e se estendiam até a madrugada, com música alta e ambiente inadequado para os pequenos.
Foi daí que surgiu a necessidade da criação de um coletivo de mães feministas, artistas e empreendedoras, que busca criar ambientes em que as crianças possam brincar tranquilas enquanto elas trabalham. Além disso, pretende dar mais flexibilidade de horários e frequência e valorizar seu processo criativo.
As dificuldades para as mães no mercado de trabalho começam na entrevista de emprego. “Cansei de mentir que eu não tenho quatro filhos”, conta Luanna Peralta, membra do coletivo, dona do Laricas Cultural e mãe do Erick, 19 anos; Sara, 16; Júlia, 15; e Isaac, 6. Nas entrevistas de emprego, é comum que mulheres que têm filhos sejam descartadas sob a justificativa de que as crianças atrapalhariam seu rendimento.
Na loja fixa do coletivo, no Laricas, elas se organizam em escalas de forma que cada uma faça o que pode. Revezam horários e trocam a escala em caso de necessidade com seus filhos. “Flexibilidade para que os horários e a realidade da mãe estejam em primeiro plano, porque no mercado de trabalho é o oposto. Ninguém quer saber se o filho está doente, se a mãe tem um horário que não pode cumprir”. Explica Patrícia Rodrigues, a Boli, professora, estilista, membra do coletivo e mãe de Francisco, 9 anos, e Salvatore, 2 anos e meio.
Além das vendas, elas se ajudam afetivamente, criando uma importante rede de apoio para as integrantes do coletivo. Elas se amparam nos momentos de dificuldade e o coletivo se torna também um grupo de conversas. Já fizeram, inclusive, uma roda de conversa sobre violência doméstica.
Erika diz que o Madre Loca apoiou uma das mães que sofreu agressão do namorado, com o compartilhamento de informações sobre como procurar ajuda da justiça e suporte emocional. “Conversa, solta tudo, manda áudio, a gente vai te escutar. São vinte mulheres falando ‘você é forte, você consegue, você sai dessa’ é bem melhor do que se ela tivesse sozinha em casa”.
Outro ponto importante do coletivo é a busca por liberdade financeira, o que evita que as mães casadas dependam de seus maridos. “A gente busca empoderamento financeiro. Até para sair sozinha, poder falar ‘eu vou sim, tenho dinheiro, paguei babá’. Às vezes, eu vejo alguém parar de sair porque não tem com quem deixar o filho ou porque o marido não quer. Perde a vida dela, a identidade”, declara Erika.
Mãe atípica
Erika descobriu o autismo de seu filho Pablo há três anos. A fundadora conta que no ano passado teve que trabalhar tanto para pagar as terapias dele, que precisou terceirizar a tarefa de levá-lo à terapia e sentiu-se frustrada por isso. Esse ano, ela diminuiu a carga horária de trabalho como professora para atender melhor às necessidades do filho. “É bem menor o salário, mas minha saúde mental está em dia porque eu consigo levar a criança no que ela precisa”.
Ela conta com o apoio do coletivo e a flexibilidade da loja para lidar com as crises de seu filho. “Se eu tiver em casa prontinha para sair e o Pablo tiver uma crise e ficar nervoso, eu não vou. Eu não vou trazer ele nervoso, não vou colocar ele numa situação de estresse”.
Brenda, outra integrante do grupo, também é uma mãe atípica. Erika relata que sente muita identificação e que é muito importante para ela ter encontrado alguém que passa pelas mesmas situações.
Elas gritam
Para as madres, fazer parte do coletivo é também um ato político, com o objetivo de chamar atenção do poder público e da sociedade para a causa. Elas pretendem buscar fomentos do governo para possibilitar que cada vez mais mães possam participar das feiras, comercializar e produzir sua arte.
“A loja física em um espaço cultural é uma estratégia política para chamar atenção da ação governamental para um nicho de trabalho, um mercado e uma possibilidade de empoderamento dessas mães com um local de fala social”, diz Boli, que completa. “Foi através das nossas experiências que a gente entendeu que poderíamos construir novos espaços. Empoderando outras mulheres, a gente desconstrói esse autoritarismo e essa burocracia”.
Luanna reforça que, por mais valoroso que o coletivo seja, ele surge da necessidade e da negligência. “Não é uma coisa que a gente quer fazer porque é muito legal. É necessário, não adianta ser hipócrita. Isso aqui é cultural, mas é comercial. Precisa de dinheiro, precisa vender. Tem custos, você não vende para se divertir, você vende para pagar as contas em casa”, desabafa.
Orgulho de fazer parte desse coletivo e conhecer essas mulheres maravilhosas!!!!