Especialistas lutam para preservar cobras de maus tratos ou incidentes na natureza e em zonas urbanas
Isadora Prado, Giovanna Andrade e Gabriel Issagawa
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autoriza a criação de serpentes no país desde 1997. No entanto, há uma lista de regras a serem seguidas. O animal, nativo ou exótico, precisa ser comprado em criadores legalizados e deve ter o registro do Ibama. A bióloga e veterinária especialista em serpentes, Paula Helena Santa Rita, enfatiza que a presença de serpentes exóticas no Brasil é um risco para a fauna local. “Infelizmente, animais exóticos na fauna nacional carregam com eles muitos problemas, como a competição direta por espaço, por abrigo, por alimento, além das doenças que esses animais podem carrear”.
De acordo com a Organização Não Governamental SOS Pantanal, as espécies mais comuns que fazem parte do bioma são a cobra-cipó, boca de sapo, conhecida popularmente como Jararaca, a sucuri amarela, falsa coral e a surucucu-do-pantanal. Além disso, de acordo com o Instituto Butantan, elas colaboram para o funcionamento do ecossistema e caso fossem extintas, haveria infestação de ratos e faltaria alimento para as aves. As cobras também desempenham um papel importante no desenvolvimento de pesquisas.
Mesmo com todos os requisitos que devem ser preenchidos para a criação de cobras, ainda são encontradas muitas espécies exóticas, ou seja, que não fazem parte dos biomas nacionais, que são vítimas de tráfico de animais silvestres ou usadas em atividades circenses. O Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) já resgatou mais de 41 mil animais, entre eles 12% eram répteis.
O Bioparque Pantanal, em Campo Grande-MS, acolheu recentemente uma Jiboia, que vivia em um circo da cidade de Amambai, interior do estado. Ela foi apreendida pela Polícia Militar Ambiental (PMA), uma vez que é crime utilizar animais em atividades circenses. Devido à aproximação com humanos, a serpente perdeu os seus instintos selvagens, e caso voltasse para a natureza seria uma presa fácil. Ela foi batizada no aquário de água doce como Rachel Carson, uma homenagem à ambientalista norte-americana que é considerada mãe do ambientalismo. A diretora geral do Bioparque Pantanal, Maria Fernanda Balestieri, explica como é o local em que a jiboia vive atualmente. “Os recintos contam com enriquecimento estrutural físico, plantas, toca de refúgio, áreas seca e úmida. A temperatura dos ambientes é controlada a fim de seguir os parâmetros adequados a cada espécie, os recintos contam com aquecedor, umidificador e lâmpadas UVA e UVB”.
Veterinária: quase a totalidade das cobras apreendidas foram compradas ilegalmente
Outra espécie que habita o Bioparque Pantanal desde 2022 é a sucuri verde, batizada como Gaby Amarantos em homenagem à cantora. Ela foi resgatada com inúmeros ferimentos e vivia em uma área de preservação no estado do Pará. Maria Fernanda acredita que a presença desses animais que não podem mais ser inseridos na natureza serve como uma forma de aprendizado para quem visita. ”Permite sensibilizar o público sobre a importância das cobras no equilíbrio ecológico, ajudando a desmistificar esses animais e reduzindo preconceitos”.
A bióloga e veterinária especialista em serpentes, Paula Helena Santa Rita, explica que até os dias de hoje, a sociedade possui um preconceito em relação a esses animais e que a prática de maus tratos contra eles é habitual. Ela ressalta que é crime. “Para quem observa uma condição de maus tratos, que quando a gente se reporta às serpentes não é algo incomum de acontecer, a responsável imediata para ligação é a Polícia Militar Ambiental (190), é a instituição que inclusive tem as diretrizes para poder tomar as medidas cabíveis inclusive judicialmente em relação a maus tratos a qualquer animal, não só as serpentes”.
De acordo com informações do Ministério da Saúde, foram registrados 32.514 acidentes causados por serpentes no Brasil em 2023. Em épocas de chuva e alagamento, esses animais acabam sendo encontrados em áreas urbanas. Em casos de encontro com serpentes em domicílio, o mais seguro é ligar para profissionais que saibam como manejar serpentes como a Polícia Ambiental, o corpo de bombeiros ou Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) do seu município. As serpentes são predadores essenciais na natureza para manter o equilíbrio do ecossistema, sendo assim, esses profissionais realizam a captura e a devolução desses animais para seu habitat natural.
Paula Helena Santa Rita explica o que deve ser feito caso uma cobra seja encontrada dentro de residências. “Uma coisa que pode ser feita é colocar um tambor sobre esse animal, ele vai ficar retido ali até a chegada das equipes de resgate”. Também é possível que serpentes sejam encontradas em beiras de estradas, e caso estejam feridas, devem ser encaminhadas até o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras). Paula Helena Santa Rita não recomenda o contato direto com os animais. “O ideal é manter a salvaguarda desse animal, mas de forma segura, na maioria das vezes o cidadão não tem habilidade de manejo”.
De acordo com o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), após a recepção do animal no CRAS, ele é direcionado para a quarentena, quando é examinado. Durante o tratamento, também recebe acompanhamento nutricional, sanitário e comportamental. A etapa de destinação do animal segue as recomendações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). As classificações possíveis são: a devolução ao seu ambiente natural, a soltura após um período de cativeiro - denominado de translocação – ou então ser direcionado para projetos de conservação da espécie, zoológicos ou instituições de pesquisa. Em Campo Grande, o biotério da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) trabalha com animais resgatados.
Ativo desde 2003, é o único serpentário credenciado pelo Ibama em Mato Grosso do Sul e conta com um acervo de 335 serpentes, principais agentes para o desenvolvimento de pesquisas e experimentação científica, as quais devem ser realizadas respeitando o bem estar do animal. A extração de veneno com padronização sanitária para a produção do antiveneno e de pesquisas de biomoléculas é um dos serviços prestados pelo laboratório. A coordenadora do Biotério UCDB, Paula Helena Santa Rita, afirma que o animal é recebido apenas se não houver condição de retorno à natureza. “O biotério da UCDB possui autorização para recebimento desses animais, mas como o nosso setor trabalha com animais saudáveis, geralmente animais machucados não vêm pra cá, eles vão primeiro pro Cras e depois eles são encaminhados para cá, desde que esse animal não tenha condições de retorno a natureza, principalmente se forem serpentes peçonhentas”.
Gaby Amarantos e Rachel: as serpentes encantam os visitantes do Bioparque
Misticidades
De acordo com o artigo “O simbolismo mágico-religioso da serpente nas tradições nórdica e finlandesa”, publicado no periódico Sacrilegens da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), as cobras podem ter simbolismo culturais diversos, como a fertilidade, fecundidade, sexualidade, tempo, alquimia e magia. Na cultura indígena, a natureza é um laboratório vivo a céu aberto, onde a comunidade demonstra respeito e conhecimento sobre as espécies que ali habitam. No horóscopo chinês, as cobras são vistas como algo sagrado e na cultura nórdica sua presença é datada de 1500.A.C, quando já se encontrava essa espécie em jóias, esculturas, objetos pessoais e embarcações.
Quem observa as cobras Gaby Amarantos e Rachel Carson nos tanques do Bioparque Pantanal, experimenta uma mistura de sensações como encanto, mistério, exotismo e também medo. Ao mesmo tempo, essa experiência desafia os preconceitos e estigmas que a sociedade atribui a essa espécie como algo mau.
A empresária Nicoli Dichoff visitou o complexo do aquário. Jovem adulta com estilo clubber, Nicoli se diz fascinada pelo papel da educação ambiental. “Devemos saber proteger o que temos, pensar de forma comunitária e sustentável em todas as áreas da vida e isso deve ser implementado desde a infância”.
Para a administradora Saiuri Nakazato, visitante do complexo, o que mais chamou a atenção foi não sentir medo, como a maioria das pessoas. “A primeira impressão que eu tive quando eu vi a Rachel e a Gaby foi de querer pegar elas, pois elas não tem braços, nem pernas, eu não tive aversão a elas, a primeira vez que visualizei deu essa vontade de sentir elas”. A administradora conta que em todas as vezes que compareceu ao aquário aprendeu algo novo, desde as informações dos tanques até as intervenções educativas com o Núcleo de Educação Ambiental (NEA) que busca sensibilizar sobre a causa ambiental. “A educação ambiental vem de forma lúdica ou científica, não importa como é o modelo dessa mensagem, o importante é a conscientização da biodiversidade e como vamos fazer para preservar o que temos hoje”.
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