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O caminho feminino para o prazer

O corpo da mulher e sua sexualidade ainda são tabu para a maioria delas e deles


Texto e fotos: Glenda Rodrigues, Helder Carvalho e Lauren Netto


No esconderijo do prazer feminino reside uma mulher que destila juventude e atitude, desafiando todas as convenções impostas pela sociedade conservadora em que foi criada. Teresinha Garcia, uma mulher de 75 anos com cabelos grisalhos que esbanjam charme e personalidade, se autodefine como a personificação do espírito jovial dos anos 60, e seu lema é claro: paz, amor e rock 'n' roll. Sentada à sombra de sua garagem, Teresinha compartilha suas histórias de autodescoberta com uma sinceridade arrebatadora. Comunicativa e de mente aberta, ela mergulha fundo em tabus que a maioria ousaria sequer mencionar. Seu olhar carrega a profundidade de alguém que encontrou sua verdadeira essência após décadas de sombras. “Sexualidade faz parte da vida”, diz ao ser perguntada sobre o significado da palavra.

Enquanto Teresinha fala sobre sua jornada sexual, os olhos faíscam com uma mistura de nostalgia e resiliência. Criada em um ambiente impregnado com os dogmas da igreja católica, ela lembra da época em que cada sábado significava comungar para se livrar do fardo do pecado. Quando jovem, não só se sentia aprisionada por essas restrições, mas também confusa por uma sexualidade que se tornou um tabu obscuro. "Cresci observando animais se reproduzindo na fazenda, e essa era a minha única referência de sexo", confessa, com um sorriso irônico. "Eu achava que pecar era olhar para um cachorro e uma cadela e sentir algo."


Teresinha Garcia: A rebelde do rock 'n' roll e a jornada de autodescoberta

O casamento veio como uma obrigação, um rito de passagem para uma mulher se livrar do controle parental. No entanto, a primeira experiência de Teresinha foi dolorosa, ela relembra o momento com uma clareza amarga, descrevendo-o como uma experiência forçada e desconectada. "Ele só queria ver sangue no lençol. Para ele, era apenas um símbolo de virgindade perdida. Nada sobre prazer."

Sua vida foi uma montanha-russa de desafios. Enfrentando um sistema patriarcal que a sufocava, ela encontrou forças para se divorciar e lutar por sua independência. "Não era fácil. Mesmo depois do divórcio, eu ainda precisava pedir permissão judicial para as coisas mais simples. Mas eu sabia que merecia mais", ela diz, com a voz carregada.

Hoje, Teresinha olha para trás com uma mistura de gratidão e sabedoria. Tornou-se uma força em si, desafiando normas, desvendando mitos e abraçando uma visão de sexualidade que transcende o físico. "A sensibilidade sexual não é carnal", ela afirma com convicção. "É algo que vem da alma, dos sentimentos mais profundos."

A eterna rebelde, continua a inspirar todos os que cruzam o seu caminho. Sua trajetória não foi apenas uma luta pela liberdade sexual, mas também uma jornada de empoderamento feminino. Contrariando os preceitos impostos pela sociedade, não se conforma com papéis tradicionais de gênero. Sua mente brilhante e vontade inabalável a impulsionaram para posições de liderança e influência, onde ela comandava respeito e admiração.

Sua primeira experiência sexual fora do casamento a liberou de amarras antigas, permitindo que ela finalmente abraçasse sua sexualidade com confiança e alegria. A década de setenta, uma época de mudanças sociais e culturais, se tornou o palco para sua transformação. Teresinha nos ensina que a busca pela satisfação pessoal, seja na sexualidade ou em qualquer outro aspecto da vida, é uma jornada que merece ser abraçada com valentia e determinação. Sua história é uma lembrança de que a idade nunca deve ser um obstáculo para a autodescoberta e o crescimento contínuo.

Para Teresinha a sexualidade não foi um assunto pautado no seu meio familiar, cabendo-lhe observar para entender o assunto. O silêncio sobre a sexualidade, vivenciado especialmente pelas mulheres, impede sua manifestação sexual de forma plena. A sexóloga Karina Brum reforça que intimidade e partes íntimas devem ser conversadas dentro de casa, mas o que se vê é educação voltada para a castração ou anulação da região íntima feminina. "Mulheres não foram educadas a pensar que tem vulva e vagina. Elas foram condicionadas a anular seu "sexo" e a pensar apenas em 1000 formas de dar prazer, não de ter prazer. Nessa caminhada, muitas mulheres objetivam ter coisas e não em ser "fodasticamente" felizes", afirma a terapeuta.


Yorrana Della Costa: A contracultura da mulher que fala sobre sexo

A diferença entre gerações e a forma como sexo e sexualidade foram abordados dentro de casa permitiram a jornalista e comunicadora Yorrana Della Costa, de 28 anos, uma experiência distinta de Teresinha.

Dentro da gaveta, lá no fundo do armário, foram guardadas e escondidas todas as dúvidas que uma mulher pode sentir. Ao passo em que os homens se deliciam rumo a sua sexualidade, a caminhada feminina é solitária e envolta de culpa, medo e constrangimento. Yorrana nunca foi acostumada com os padrões sociais, ao ser educada por uma mãe solo de espírito livre, sempre soube o valor da sua voz e dos seus sentimentos.

Ainda jovem, escancarou aquela gaveta que a sociedade tranca às sete chaves. Dentro de casa, ela foi estimulada a não ver o sexo como um pecado, uma vergonha ou algo proibido, mas como uma etapa natural da vida que precisava ser dialogada. Enquanto estava na faculdade, sentiu a necessidade de compartilhar suas experiências, estimulada por suas amigas criou o Papo de Vênus, espaço no Instagram onde ousa em falar sobre o corpo feminino.

Para muitos, a sexualidade é uma caixinha a ser acessada somente na hora do sexo, mas para Yorrana é uma bagagem da vida, que será levada também para a relações sexuais. Segundo ela, a sexualidade é manifestada pelos comportamentos sociais – a autoestima, o jeito de se vestir e o estado de espírito são potencialidades da libido e estão para além do desejo de transar, perpassando pela energia da vida e do desejo de criação.

Para Karine, gozar é medicinal. O cérebro inunda nossos corpos com hormônios do prazer, da alegria e da felicidade toda vez que realmente temos um orgasmo. “Fazer sexo vai além da reprodução e hoje, a ciência consegue provar que pessoas bem resolvidas em sua sexualidade conseguem prevenir várias doenças mentais e físicas. Sentir prazer não é um fardo, mas sim, uma ferramenta que previne e mantém a saúde emocional e biológica”, afirma a terapeuta.

Ao compartilhar suas vivências, Yorrana passou a ser procurada por mulheres que encontraram no seu perfil um espaço seguro e íntimo para saciarem suas dúvidas e trocarem experiências. Em contrapartida, muitos homens começaram a atacá-la, chamando-a até mesmo de ninfomaníaca por estar estimulando as mulheres a se masturbarem e a se conhecerem. Mesmo estando do outro lado da tela, a jornalista não ficou isenta dos assédios, outro grupo de homens passou a assediá-la, julgando-a como disponível para eles, somente pelo fato de falar abertamente de sexo.

Durante a sua vida, lhe afirmavam que a sua "energia masculina" era muito aflorada, que ela era vulgar ou que não parecia uma menina, que era “meio machorra”, – críticas apontadas quando falava alto ou não se sentava conforme as convenções sociais –, ou como uma “mulher pra frente” ao conversar sobre sexo com amigos numa mesa de bar. Esse último título inclusive considera o resumo de uma sociedade que atribui ao homem a naturalidade por tratar do tema, mas à mulher a dualidade de ser recatada ou promíscua, não havendo um meio termo no tratamento, como há para os homens.

A intitulada “mulher pra frente”, para Yorrana, é o comportamento de um homem normal, mas que ao contrário dela não é julgado como tal, mas sim exaltado como “galinha” ou “macho alfa”. Normalmente, para eles falar de sexualidade não é para buscar conhecimento, mas para se gabar de ter se relacionado com alguém. Além da deficiência na expressão da sexualidade masculina, os homens possuem como referência a pornografia, que não levanta a necessidade de dar prazer à companheira. Yorrana se recorda com espanto sobre como diversos deles desconhecem a anatomia feminina: “Muitos acham que xixi, menstruação e orgasmo saem do mesmo lugar”.

Por longos anos, as mulheres tiveram a sua sexualidade castrada, já que esta é uma manifestação da potência feminina, um instrumento de poder. A falta de proeminência em debates que envolvem sexo e sexualidade funciona como uma estratégia implícita de manter a mulher em posição secundária, submissas aos seu próprios corpos. Este silenciamento afeta também o desempenho sexual dessas mulheres, limitando ainda mais o seu prazer. Se a sexualidade dos homens não é uma questão polêmica, a da mulher é sempre estimulada a ser contida, porque, do contrário, não serão fáceis de ser controladas e usarão esse poder em sociedade para benefício próprio.

A caminhada feminina para o autoconhecimento atravessa sentimentos individuais, solitários, íntimos e, muitas vezes, dolorosos. Ao buscar a sua individualidade, mulheres como Teresinha e Yorrana carregam consigo as dores dos julgamentos e a aversão da sociedade perante as suas potencialidades, sendo estimuladas apenas pelo encontro e ascensão do seu próprio prazer.

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