Como é feita a preparação e os cuidados das funerárias e cemitérios de Campo Grande para receber as famílias no Dia de Finados
Bruna Melo, Maria Clara de Assis e Nathana Nunes
Dia dois de novembro marca não só um feriado no calendário. Enquanto algumas famílias aproveitam o dia sem compromissos para relaxar, outras vão aos cemitérios para visitar seus entes queridos que já faleceram. Por trás da tranquilidade dos cemitérios e das homenagens emocionantes há uma equipe de profissionais cujo trabalho é garantir que famílias e amigos possam lembrar dos seus amados em paz. De religiosos a floristas, passando por gerentes de funerárias e limpadores de túmulos, cada um desempenha um papel essencial para que quem perdeu alguém querido. Assim, cada um pode lidar com o luto de forma digna e acolhedora e de modo que nem a garoa que cai no dia afaste essas pessoas de prestarem suas homenagens aos falecidos.
“O luto tem várias fases, a gente se questiona o porquê, depois sente raiva, hoje a gente sente saudade e pedimos por justiça”. Bruna de Souza fala com tristeza e veste uma blusa escrita ‘justiça’ estampada com a foto de uma jovem, sua sobrinha. Bruna Aquino, registrada com o mesmo nome de sua tia, foi assassinada aos 22 anos pelo namorado em 2021. Ela deixou para trás além da saudade, uma filha que atualmente tem cinco anos. A tia da jovem conta que junto dos parentes, visita o túmulo de Bruna Aquino religiosamente duas vezes por ano: no aniversário da moça, no dia nove de agosto, e no Dia de Finados. “É bom falar dela, ajuda no luto e faz com que a gente não esqueça que ela nos foi tirada de maneira tão trágica”, desabafa na esperança de que um dia sinta apenas saudades da sobrinha, já que se sente injustiçada. O assassino de sua sobrinha continua em liberdade e vivendo normalmente com os outros filhos.
Famílias como as de Bruna encontram dor e tristeza nos cemitérios. No processo do luto, passam por momentos de choque e desespero. Muitas vezes não se dão conta que por trás de sua dor há profissionais que estão presentes durante todo o processo, deixando sua perda minimamente confortável. Viviane Almeida é gerente da funerária Pax Universal e explica que o preparo dos corpos na agência é feito com muito respeito e cuidado. “Já preparamos corpo de médico, presidiário, juiz, desembargador (…) Quando o poeta Manoel de Barros faleceu, a gente que preparou o corpo e nós fazemos questão de oferecer o mesmo tratamento para todos”. Viviane ainda fala que a única diferença no atendimento são os preços, já que existem urnas de mil e quinhentos reais até trinta e cinco mil reais. A gerente ainda conta que no mínimo, um funeral custa quatro mil e oitocentos reais sem o plano funerário, mas que ela já fez funerais que chegaram a oitenta mil reais.
Viviane ressalta que no Dia de Finados também há uma preparação e um trabalho específico realizado por eles. A funerária é aberta vinte e quatro horas, então todos os funcionários que não estão de plantão vão ao cemitério da empresa Jardim da Paz, para prestar apoio às famílias. “A gente fala que é o único feriado que todo mundo trabalha (…) Ajudamos as famílias a encontrar os jazigos, colocamos pipoca, algodão-doce e pula-pula para quem leva criança, tudo isso para tornar esse dia mais fácil para eles”. A gerente ainda conta que nesse dia ela reencontra antigos clientes, que confiaram nela e na funerária nesse momento tão difícil para eles. “Esse dia é a recompensa de como a gente trata as famílias”.
Quando as flores falam em silêncio
Cemitério Nacional Parque com bandeirinhas brancas nos túmulos para receber as famílias. Foto: Maria Clara de Assis
O sábado de Finados amanheceu com o tempo nublado e a iminência da chuva. Assim que os cemitérios abriram na capital, logo foram tomados pelas famílias que silenciosamente compraram suas flores, conversaram, trocaram lembranças e memórias e por fim buscaram o túmulo de seus familiares. No cemitério Nacional Parque, na Vila Moreninha IV, os parentes ao entrar no local, encontraram o gramado com bandeirinhas brancas em cada túmulo e funcionários andando por todo o local auxiliando as famílias a encontrarem a sepultura de seus amados. Os funcionários explicam que é um dia cansativo e muito emocional, o local é equipado com equipe médica para aferir a pressão e em caso de emergência, além da venda de flores, quadro para os visitantes prestarem homenagens e um velário.
Keyla Machado é autônoma e vive de trabalhos pequenos e informais. Ela é moradora da Vila Moreninha IV e conta que comprou flores e velas por atacado pela internet para vender do lado de fora do cemitério como uma renda extra. A moradora explica que às vezes, o retorno obtido no feriado cobre as despesas do mês inteiro de novembro. “São vários relatos tristes que passam por aqui”. A vendedora conta que as histórias mexem com quem trabalha nesse dia e se lembra especialmente de uma mãe que estava à espera do seu filho sair do presídio e mudar de vida, mas que após um mês em liberdade, o menino foi assassinado.
Marina Terezinha vende flores artesanais de EVA na porta do Cemitério Jardim da Paz em dois feriados: dia das mães e dia dos finados. A senhora conta que começa a fazê-las no meio do ano para vendê-las no Dia dos Finados. Ela chega às cinco horas da manhã e vai embora às 17 horas, contando com a ajuda de seu filho que repõe o estoque das flores e leva almoço para a mãe. Marina explica que esse é seu único trabalho e que consegue lucrar em média dois mil reais no feriado de Finados, porém neste ano, a senhora questionava o movimento fraco. “Não sei dizer se a chuva afastou as famílias ou se todos já estão levando as flores de casa”.
A religião e a salvação
Já passava das sete da manhã quando Izabel Casemiro, 77 anos, chegou ao Cemitério do Cruzeiro (São Sebastião) para visitar o túmulo de seus pais. O hábito de visitar o cemitério no Dia de Finados é recente. Por incentivo da filha, faz quatro anos que ela passou a acender velas e levar flores para os pais. A senhora conta que o trajeto para chegar aos entes foi complicado. Já dentro do cemitério existiam inúmeros fiéis espalhando jornais e panfletos de suas respectivas entidades e religiões e até atrapalhando as orações de quem estava em silêncio para se conectar com seus familiares. O vento e o clima nublado também foram inimigos das famílias que passavam pelo Cemitério do Cruzeiro. As velas apagavam a todo momento e soluções como latas de tinta e pedaços de telhas e tijolos foram usados para proteger a chama.
Quem, sendo simpático, aceitava a panfletagem, acabava logo sendo mal-educado com o meio ambiente. A calçada do lado externo do prédio no final do dia se encontrava cheia de entulho e papéis espalhados. Além disso, em um canteiro da Avenida Coronel Antonino, próximo ao cemitério, um pastor resolveu se instalar com uma caixa de som e iniciar uma pregação na qual dizia que apenas quem acreditasse em Cristo seria salvo e os não crentes seriam condenados. A pregação ecoava por todo o cemitério, e só se pode imaginar como fica o coração dos que perderam um ente que não tinha nenhuma religião ou seguia alguma fé diferente. O padre Durai Aruldoss, que presidiu a missa da manhã no cemitério Jardim da Paz, explica que no catolicismo a morte não é o fim e sim o início da pós-vida. Ele ainda conta que independentemente da religião da família ou ente querido, é importante reconfortá-los, respeitá-los e caso peçam, aconselhá-los nesse momento delicado e difícil.
A última despedida
Panfleto jogado no chão do cemitério Cruzeiro. Foto: Bruna Melo
Viviane Almeida explica a importância da despedida no processo do luto. A gerente conta que, dependendo dela, sempre ajudará as famílias nesse momento difícil e, procura fazer exatamente o que o cliente desejava em vida nessa última despedida. “É importante fazer com que a família se sinta acolhida nesse momento”. Para a gerente, esse momento é comum pois ela lida com essa situação todos os dias. Para ela, é importante fazer o necessário para o conforto dos familiares e não tornar mais fácil para os próprios agentes a situação dolorosa. “Eu nunca os chamo de ‘ente querido’, e sim ‘Senhor/Senhora Fulano de tal’”.
A gerente ainda conta sobre a experiência durante a pandemia de Covid-19, onde, infelizmente, famílias e amigos que perderam alguém em 2020 não tiveram essa chance de dizer adeus. “Era muito difícil, a gente não podia deixar ninguém ver o familiar e muitos se questionavam ‘Como eu sei que vocês realmente estão preparando a pessoa certa?’ não tinha como mentir e falar que era ele, eu realmente não sabia”. Ela ainda informou que, em 2021, foi autorizada a volta dos funerais, mas com duração máxima de duas horas.
Segundo Viviane, hoje em dia os funerais continuam em média com essa duração, ao contrário de antes em que era costumeiro os funerais durarem a noite inteira. Porém, muitas famílias ainda mantêm essa tradição de uma noite de despedida, outras optam somente pelo enterro, como na pandemia. Isso vai de acordo com a escolha de quem passa pelo luto, esse sendo um processo individual e incomparável.
Missa realizada no cemitério Jardim da Paz. Foto: Nathana Nunes
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