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O Grito Silenciado: a conquista da mulher no universo masculino

Estereótipos de Gênero nos Interesses Culturais


Isadora Colete e Júlia Nogueira



Histéricas, exageradas, loucas. Por muito tempo, as mulheres que saem dos padrões de normalidade têm sido rotuladas como desequilibradas. Elas não podem falar muito alto, se não são chamadas de escandalosas, nem falar muito baixo, senão são vistas como bichos do mato. Mas e os homens? Eles são apenas fãs, apaixonados pelo seu time do coração, é a natureza deles.

“A sociedade é patriarcal e nesse sentido, os papéis foram construídos socialmente de forma bem definida e rígida, seguindo a ordem do dominado/dominador, gerando consequências na construção subjetiva de homens e mulheres”, explica a psicanalista Luziclaire Colnaghi. Dessa forma, as mulheres sempre foram dominadas e tiveram seu papel definido pela sociedade – como ela deveria agir, se portar, falar e quais seriam seus gostos.

Um desses estereótipos está relacionado ao julgamento da mulher como fã de artistas e bandas, sendo taxadas de histéricas e loucas, enquanto o homem é considerado normal por ser fã de futebol, por exemplo, mesmo chegando ao fanatismo. Essa disparidade reflete desigualdades de gênero persistentes em nossa cultura, que limitam a liberdade de escolha e restringem as oportunidades de expressão para as mulheres.

O fato de serem tratadas como infantis, quando declaram ser fãs de artistas ou bandas, é um reflexo de todos esses estereótipos. Geralmente, quem está ao redor não consegue compreender o verdadeiro amor de fã, tratando como se fosse uma mera fase, algo passageiro, invisibilizando toda uma experiência, sendo adolescente ou não. “Não acho que seja falta do que fazer, que daqui um tempo isso vai passar”, explica Ana Flávia de 22 anos, fã da banda One Direction há 10 anos.

Mannoela Pieri, 20 anos e fã da cantora Taylor Swift, denuncia o fato de as redes sociais auxiliarem na ridicularização das fãs, principalmente o Twitter. Considerado como “terra de ninguém”, as pessoas se utilizam dessa rede social para julgar tudo e todos, e com as seguidoras de Taylor não é diferente. Utilizando uma linguagem agressiva, buscam atingi-las falando sobre a aparência da cantora, suas músicas e performances. “Eu vejo muitos comentários machistas e misóginos na internet, muitas pessoas ridicularizam as fãs, chamando elas de histéricas, loucas ou quando demonstram alguma emoção falam que não é tão profundo, não precisa desse auê todo”, declara.

Foto: acervo pessoal de Daniel Felipe


Além das mulheres, tal construção histórica também afeta o universo masculino. Desde cedo os homens são ensinados a não gostar de certas coisas de “mulherzinha”, como moda ou divas pop, e caso demonstrem interesse, são chamados de menininhas pelos colegas de classe. "Na escola, se você gostasse de qualquer diva pop, as pessoas já vinham em cima e perguntavam: nossa você é gay? Então tem toda essa construção ao redor do que é ser homem, acho que no fundo tudo isso estava relacionado a uma homofobia interna e estrutural”, relata Daniel Felipe de 23 anos, fã da cantora Beyoncé desde 2009.




Quem são as Marias Chuteiras?


Maria Chuteira é um estereótipo machista para definir mulheres que gostam de jogadores de futebol. Mas quem seriam elas? Gostam apenas dos jogadores ou se interessam pelos jogos também? E se realmente gostarem de futebol e por acaso encontraram o amor em um dos jogos? Durante muito tempo o conceito Maria Chuteira perpetuou de forma pejorativa, buscando atingir mulheres que se relacionavam com os jogadores. Mas a partir do momento em que houve um aumento das mulheres nos estádios, nos jogos e até mesmo no esporte, esse termo passou a ser usado para atingi-las, com intuito de afastá-las desse ambiente predominantemente masculino.

“O futebol historicamente foi visto como um esporte masculino e agora, para as mulheres entrarem, há uma resistência” explica Dilza Porto, Doutora em História e pesquisadora em estudos de gênero. Essas dificuldades acabam por afetar muitas meninas e mulheres que se encontraram no esporte, seja como espectadora, torcedora ou jogadora, invalidando suas opiniões ou ignorando seu talento.

Foto: acervo pessoal de Letícia Dias


Leticia Dias, 19 anos, torcedora fanática do Atlético Mineiro, denuncia que na maior parte das vezes os comentários preconceituosos são feitos por homens. “Já cansei de falar que gosto de futebol e eles virem me perguntar o que é impedimento, já até me perguntaram a escalação do meu time quando ganhou o brasileiro de 1971”. Ela diz que se sente invalidada, pois quando um homem diz que gosta de futebol seu conhecimento não é questionado da maneira como é com as mulheres.

Foto: acervo pessoal de Gabriela Quintero


Isso acontece tanto com as espectadoras quanto com as jogadoras de futebol feminino que não conseguem a visibilidade que o masculino alcança. “No futebol feminino é muito difícil a gente saber quando elas irão jogar, vai ter copa do mundo feminina agora e eu tenho certeza que nem todo mundo sabe que vai acontecer”, protesta Gabriela Quintero, 19 anos, fã de futebol desde criança e corintiana fanática. Essa situação é um claro reflexo da misoginia enraizada na sociedade que perpetua ainda nos dias de hoje.

“Mais uma vez, os homens precisam dividir lugares com as mulheres e perder privilégio nunca é e nunca será fácil, implica um trabalho árduo de luto pela identidade trocada”, explica a psicanalista Luziclaire. As mulheres sempre foram espectadoras e agora que estão assumindo o papel de jogadoras, sentem na pele a diferença de tratamento. Um exemplo seria a disparidade de salário entres os maiores jogadores brasileiros da história: Marta e Neymar. “É uma questão de impedir que a mulher vá à rua, ainda tem uma resistência por conta dessa história patriarcal no Brasil”, explica a pesquisadora Dilza Porto sobre as diferenças de salários entre os jogadores.

“As diferenças e desigualdades sociais, tanto de gênero, étnicos ou raciais, só vão diminuir se tiverem incentivo com a educação, o esporte e as artes. Uma igualdade para todos, todas e todes”, relata Dilza. Essa situação vem de séculos de dominação, não só feminina, mas que afeta diretamente as mulheres que vem buscando ocupar seu espaço no mercado de trabalho, nas artes, nos interesses culturais e principalmente na sociedade. Enquanto isso, elas vão continuar sendo loucas, histéricas e escandalosas.





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