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O homem debaixo do gorro

O bom velhinho, por trás da barba branca do Papai Noel, é Nilton Zanuncio e, como presente de natal, nos deu essa entrevista


Maria Clara de Assis e Nathana Nunes


“A vida é um barato”. Foi a frase que abriu nossa conversa. Nilton é a cara do Natal, barba e cabelos brancos e longos, felicidade e positividade. Entre as coincidências e desafios da vida, o professor aposentado de 65 anos teve a sua história, sem perceber, guiada pelos mais diferentes caminhos, até chegar na roupa vermelha da figura mais importante desta época do ano. Ele há quatro anos é Papai Noel.

(Foto: Nathana Nunes)


Em uma segunda-feira, durante uma de suas caminhadas diárias, esse senhor foi parado por uma mulher no meio da Avenida Tamandaré. “O senhor é o Papai Noel que eu estou precisando”, e assim a barba e cabelo branco compridos, consequências da aposentadoria, o levaram até Três Lagoas (MS). Lá foi o Papai Noel do shopping da cidade por três natais. Este ano, recebeu a proposta de ser o bom velhinho no Shopping Campo Grande. “É muito melhor dormir na casa da gente, na nossa rotina”, ele conta sobre a proposta na capital.

Nilton passa a mão pelo bigode branco, o que se mostrou um de seus trejeitos próprios, e lembra de uma época distante. Sua mãe era uma heroína que criou nove filhos sozinha, nunca deixou faltar nada, principalmente nas datas de final do ano. Ele sempre gostou do Natal e, apesar das brincadeiras que ele tinha ficado igualzinho ao Papai Noel, nunca imaginaria que iria se tornar o próprio.

Professor de geografia, aposentado pelo estado, se formou na Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso (FUCMT) em 1988, hoje Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). O agora Papai Noel cuidava do escritório da fazenda do grupo Tigres. Quase 40 mil hectares para explorar, mas em uma reviravolta, o escritório de Campo Grande fechou e ele viu seu cargo ser realocado para a própria fazenda, longe de casa. Ele não queria mexer na estrutura da sua família, então largou o emprego.

“Sempre fui muito sortudo e com muitos bons amigos”. Logo após se demitir, ele recebeu uma indicação e foi convocado para uma vaga de Professor de Geografia pelo Estado. “Eu? Professor?”, ficou surpreso com a proposta e riu com a esposa quando chegou em casa. Era mais um desafio que ele encarou com sua costumeira tranquilidade. Seis meses depois, decidiu prestar o concurso para ser efetivado. Foi ali a sua ponte com as crianças.

Nilton conta sobre uma recente coincidência. Uma antiga professora da faculdade, que passou na frente do posto de Natal do Shopping. Ele a chamou e, após tanto tempo, se reencontraram. O tempo passou, eles envelheceram, ocuparam novos e atípicos lugares.


A família do Papai Noel


Ellen, a esposa de Nilton, é seu apoio incondicional. Mesmo após 36 anos de casado, ele ainda se mostra apaixonado por ela. Conheceram-se quando ambos faziam faculdade. “Eu vou namorar aquela moça”, ele disse para um amigo, na primeira vez que a viu. Ainda longe de ser o Papai Noel, descobriu o nome e o curso de Ellen, e após uns tropeços e um pouquinho de esforço, deu uma carona para ela até a faculdade. Seu empenho funcionou e assim conquistou a moça. Uma história de amor que persiste por quase quatro décadas. É ela que agora escolhe e compra os xampus específicos para o cabelo branco, que o Papai Noel só usa na época do Natal.

Evelyn é a única filha do casal, e claro, o orgulho de Nilton. Formada em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), atualmente trabalha no Gabinete do Juiz em Campo Grande, mas nem sempre foi assim. Em 2018, ela se deparou com a sonhada aprovação no concurso da Promotoria Pública, porém foi chamada para Três Lagoas. Logo, se mudou para o município com o coração apertado ao deixar os pais. Naquele ano, Nilton pediu de natal que sua filha conseguisse uma transferência de cargo para a capital e em janeiro de 2019 Evelyn já estava de volta na casa da família.

Ellen e Evelyn visitaram o Papai Noel esse ano, não sabemos o que exatamente elas pediram, mas sabemos que Nilton, muito surpreso, ficou feliz em vê-las lá, pela primeira vez, na poltrona do velhinho e na capital onde moram.


Nilton, o Papai Noel


Com alegria, Nilton conta sobre a carga horária de oito horas diárias de trabalho. Ele adora as crianças e elas se encantam com a imagem de Nilton vestido de Papai Noel. “Minha parte favorita do Natal é ver o Papai Noel”, diz a pequena Maria Luísa, de cinco anos. Ela já foi falar com ele, conversou com a desenvoltura que só uma criança da idade dela tem e tranquilamente pediu uma boneca. “Mesmo com 65 anos a gente aprende. As crianças ensinam muito para a gente”.

Os preparativos para ser o Papai Noel não o incomodam, “Eu vou falar para vocês em relação à barba e ao cabelo, eu sou bem relaxado”. Porém, a preparação física é muito importante para ele. Rotina é o principal. Ele acorda, toma um litro de água e faz sua caminhada diária, da sua casa, no Bairro Coophasul, até a igreja Perpétuo Socorro, quando chega em casa, toma mais um litro de água e, ao longo do dia, já no posto do Papai Noel, ele toma copos de água de 200 ml sem sair do lugar. Só levanta no intervalo. Assinou um contrato não só com a empresa, mas também com a criançada, então ele dará tudo de si sempre.

A poltrona vermelha, é sua mesa de trabalho, que combina com seu uniforme, o traje do Papai Noel. Suas colegas de trabalho, as Noeletes, recebem os visitantes. Crianças, bebês, adultos e até bichinhos de estimação esperam na fila para conversar com o bom velhinho. Os pedidos são os mais diversos, desde uma boneca até mesmo uma entrevista. Os pequenos se amontoam ao redor dele e a estimativa é que todos os dias passam cerca de quinhentas crianças pela poltrona vermelha. Nilton sempre acolhe todos com um sorriso e a clássica pergunta, “Já escreveu sua cartinha para o Papai Noel?”.

Ele enxerga seu papel muito além de uma fantasia. É uma oportunidade de impactar vidas e deixar um legado de bondade. “Eu vejo crianças pequenininhas falando para mim ‘Papai Nel te amo’ e isso me deixa muito feliz”. Sorrindo ele se lembra da história de uma bebê com apenas um ano e quatro meses. Ela vai até o professor aposentado caracterizado de bom velhinho e chora toda vez que a tiram de perto dele.

Todo ano, mesmo sem precisar do dinheiro, ele trabalha pela alegria das crianças e pelo amor ao que faz, “É um barato ser Papai Noel”. Todo ano a esposa fala que ele não precisa trabalhar e ele pensa se vai voltar ao uniforme vermelho no próximo Natal. Todo ano, no dia 28 de dezembro, ele raspa a barba branca e corta o cabelo longo só para deixar crescer novamente. E todo ano, outra vez, Nilton coloca o gorro vermelho.

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