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O silêncio sobre os que mais sofrem

Suscetíveis a todo tipo de perigo, pessoas em situações de rua encaram, no último mês, uma nova dificuldade na capital: conseguir sobreviver às ondas de calor


Dayranny Amorim e Grazielly Marangon


Campo Grande iniciou o mês de outubro com uma previsão de temperatura máxima de 40ºC. A onda de calor teve início no começo de setembro com a expectativa inicial de durar um pouco mais que uma semana. Porém, esse prazo, que começou otimista, já foi estendido para mais de um mês. Consequência direta do aquecimento global, não é apenas a capital sul-mato-grossense que lida com os aumentos bruscos de temperatura, mas o Brasil inteiro.

Os veículos de informações começaram a divulgar métodos para que a população seja menos prejudicada pela onda de calor. “É importante manter-se hidratado, ter uma alimentação leve e proteger-se da exposição ao sol”, diz um post da Defesa Civil do Mato Grosso do Sul. A enfermeira da Clínica Escola Integrada, Adriana Espíndola, conta que além dos cuidados citados, se manter em locais protegidos nos horários de pico do sol (12h às 15h) é essencial. Os métodos parecem simples, mas não são facilmente aplicáveis quando pensamos em uma parte da população que, na maioria das vezes, não recebe a atenção necessária: pessoas em situação de rua.

Esses cidadãos, além de sofrerem com o preconceito diário, são os mais suscetíveis a terem problemas de saúde por conta do aumento de temperatura. Já que eles não possuem acesso às necessidades básicas diárias, acabam encontrando dificuldade para fazer o que para a maioria é considerado comum, como beber água.

Ao andar pelas ruas de Campo Grande, principalmente as do centro, não é difícil encontrar essas pessoas, a maioria abrigados embaixo de árvores, como as da Praça Ary Coelho. É nessa praça central que estava o senhor José, 43 anos, sentado na beirada da Fonte Principal enquanto termina uma quentinha, como ele chama. A comida foi doada de um restaurante que fica no centro e ele come sozinho, em silêncio. Apesar de ser um ambiente aberto e rodeado de árvores, o dia está quente e abafado, a única brisa fresca é da Fonte Luminosa que, de tempo em tempo, espirra água para cima, como se fosse um show. Devido ao horário do almoço, a praça está mais vazia que o normal, mas ainda tem algumas pessoas, a maioria uniformizada com alguma loja da região, sentada nas mesinhas ao redor ou nos bancos de madeira. O calor é notável e José não toma nenhum líquido enquanto se alimenta.

Quando questionado sobre a temperatura, a primeira coisa que José relata é a dificuldade de conseguir água fresca e, quando consegue, precisa fracionar a quantidade para que possa ter disponível durante todo o dia. “Às vezes, as pessoas dão dinheiro e a gente compra, outras, os comércios aqui perto dão a água”, conta. A segunda maior dificuldade que enfrenta é conseguir encontrar ambientes com sombra, já que, na maioria das vezes, não é permitido ficar embaixo dos toldos das lojas.

A história de José não é única. Assim como ele, centenas de pessoas espalhadas pelas ruas de Campo Grande vivem essa realidade diariamente. Ao sair da praça, é possível avistar outra pessoa deitada embaixo de uma árvore, dormindo na sombra no canteiro entre as ruas Catorze de Julho e a Afonso Pena, perto do monumento Relógio Central. De acordo com os dados da pesquisa, que faz um levantamento dessa população em todo país, realizada em 2021 pelo O Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais (Polos-UFMG), em Campo Grande, atualmente, mais de 500 pessoas estão em situação de rua.


Pessoa em situação de rua dormindo na Avenida Afonso Pena. (Foto: Grazielly Marangon)


Projetos, ONGs e centros públicos começaram a tomar medidas para que essas pessoas possam ser auxiliadas e receberem o devido atendimento na Capital. O Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua, Centro POP, funciona oito horas por dia, cinco dias por semana, oferecendo refeições, espaço para higiene pessoal, apoio para conseguir documentos pessoais, informações sobre trabalho e informações sobre acesso a direitos. Com as duas ondas de calor que chegaram no Estado, o centro especializado ofereceu copos de água fresca para os acolhidos, resultado da parceria entre o SAS e as Águas Guariroba.

Não foram somente os centros governamentais que tomaram atitudes para enfrentar o calor. A Fraternidade sem Fronteiras é uma organização humanitária que faz trabalhos sociais em diversas cidades no Brasil, incluindo a capital morena. O projeto Fraternidade na Rua é desenvolvido pela organização, com o objetivo de acolher as pessoas em situação de rua. Os acolhidos pelo projeto recebem um lugar para ficar e tem a oportunidade de possuir um trabalho dentro da própria Fraternidade, vendendo itens onde uma parcela do valor arrecadado é para uso próprio. Com a onda de calor, a organização tomou medidas para o cuidado com esses indivíduos, mesmo com as dificuldades enfrentadas. “É necessário ter mais banhos, ingerir mais água, suco e frutas, aumentamos a quantidade de ventiladores e umidificadores de ar, devido a baixa umidade do ar, e reduzimos a carga horária de trabalho”, diz o Pastor Milton Marques, coordenador do projeto.


Vulnerabilidade Social Tem Cor


Não é possível desenvolver uma discussão sobre as condições das pessoas em situação de rua sem destacar um traço em comum: são, na maioria, pretas ou pardas.

A escassez de dados sobre as pessoas em situação de rua já é algo a ser observado, mas quando tentamos fazer os recortes, como de gênero e de raça, a dificuldade de se achar informações concretas aumenta mais ainda.

O Polos-UFMG vem, desde 2012, sendo um dos principais locais de pesquisa que tem foco nas situações das ruas. Em 2022, revelou que a cada 10 pessoas em situação de rua, sete são pretas ou pardas. Os dados divulgados pela universidade estão de acordo com os divulgados em 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que mostram que a pobreza atinge 34,5% da população preta no Brasil e 18,6% da população branca.

As ruas do país denunciam de forma explícita como ainda somos o resultado da desigualdade racial. A escravidão foi encerrada, de forma fantasiada, anos atrás, em um tratado assinado que garantia uma liberdade que não era possivel ser desfrutada.


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1 comentário


Mariana Nascimento
Mariana Nascimento
15 de nov. de 2023

Tema super importante, parabéns pela reportagem.

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