Os desejos, segredos e estigmas sexuais que habitam Campo Grande
Pietra Dorneles e Murilo Medeiros
Fazer amor, fazer sexo, transar, trepar, acasalar, meter, molhar o biscoito, fornicar, bimbar, afogar o ganso. Dez nomes diferentes para algo que todo mundo faz, mas pouca gente fala. A sociedade conversadora campo-grandense tenta, sem sucesso, enterrar a vida sexual ativa da cidade.
Teoricamente, a definição de sexo é o ato biológico, com ou sem penetração, para o gozo. E sexualidade é tudo aquilo que se entende como ferramenta para dar prazer, de acordo com Karina Brum, sexóloga, ou seja, especialista no estudo científico da sexualidade.
De casa de swing e sauna masculina a sex shop e massagem tântrica, a cidade morena vive um submundo de locais e atividades relacionadas à sexualidade. Pessoas que vivem a vivem de forma livre e sem julgamentos, e se preocupam em proporcionar para os outros um espaço seguro e saudável para falar sobre o assunto, se expressar e se descobrir sexualmente.
Todos esses locais, compartilham uma dificuldade: a estigmatização e os preconceitos.
O primeiro constrangimento é pedir um carro de aplicativo com destino para a Sauna Titan, a mais frequentada da capital sul-mato-grossense. O estabelecimento abre diariamente, de segunda a segunda, das 14h às 22h. Sábado e domingo são os dias mais movimentados e o melhor horário é o final da tarde, de acordo com um funcionário do local.
Era um sábado frio, por volta das 18h, quando embarcamos rumo à sauna. A fachada do prédio de dois andares é cinza e chama a atenção pelo enorme letreiro com o nome e o logotipo. Chegando lá, o primeiro passo é fazer o pagamento e pegar as chaves do armário com um atendente. Uma placa na parede anuncia: “pix ou dinheiro: R$30,00; débito ou crédito: R$35,00”, e deixa claro: “não fazemos fiado”. Apesar de ser um ambiente destinado ao público com mais de 18 anos, em nenhum momento foi pedido documento de identificação para a comprovação de idade, mesmo com clientes aparentemente jovens.
Após o pagamento, a chave do armário é entregue. Ela é numerada e vem com um elástico para ficar presa ao braço. Afinal, ninguém poderia colocá-la nos bolsos. O número do nosso armário é sugestivo: 69.
Passando a recepção, abre-se uma porta que dá acesso ao hall principal. À frente, uma escada que leva para onde a verdadeira sacanagem acontece. À direita, bar e fumódromo. À esquerda, as duas saunas: uma a vapor e outra seca, a bancada onde se distribuem toalhas brancas e chinelos e o vestiário com armários.
Havia cerca de 40 homens, todos pelados, com as partes íntimas apenas cobertas pelas toalhas, que batiam acima dos joelhos. Ao entrar no vestiário, eles se despiam sem qualquer cerimônia. As roupas, celulares, chaves de casa e qualquer outro adereço vão para o armário. De lá, só saem com a toalha, a chave do armário e o tesão.
Um dos frequentadores da sauna, que prefere não se identificar, e por isso será chamado de Eric, tem menos de 20 anos e visitou o local pela primeira vez há pouco tempo. Ele conta que se sentiu livre. “Eu sempre tive problema com meu corpo, lá o pessoal não fica julgando e olhando. Me senti muito bem. Em alguns momentos eles tiravam a toalha e eu tirava junto, sem paranoia”
Apesar do nome, as saunas são o lugar menos movimentado do estabelecimento. Ao cruzar a porta que dá acesso às saunas e a um chuveiro coletivo, o ambiente é tomado por um cheiro forte de produto de limpeza com essência de gengibre. Nos chuveiros, alguns homens tomavam banho enquanto conversavam. A nudez não parecia ser um problema. Nas saunas, os homens conversavam amenidades ou simplesmente ficavam em silêncio. O ambiente é bastante escuro, mas às vezes alguns deles pareciam se masturbar.
Otis, que também não será identificado pelo nome real, já passou dos 60 anos e frequenta saunas desde os 10. Começou no que chama de saunas familiares, onde não havia sexo, até que, mais velho, conheceu as saunas gays. Ele é cliente assíduo da Titan, bate ponto lá todo sábado das 14h às 22h, mas revela que nem sempre vai pelo sexo. “Trepar, eu trepo fora daqui também. Mas eu venho, converso e conheço gente”.
Saindo do ambiente onde ficam as saunas quentes, à direita da escada, há um bar com bancada, bebidas ao fundo e quatro mesas com cadeiras. Surpreendentemente, o local é bastante bonito. Com detalhes de madeira trabalhada e luzes de led, o bar parece de um daqueles clássicos filmes estadunidenses.
Na escada, também bonita e de madeira, uma placa indica que é proibido o uso de celulares e que, no andar de cima, você encontraria: dark room, sala de vídeo, sala de televisão, 12 cabines privativas e banheiro. É nesse lugar que a brincadeira começa.
A sala de TV, com um sofá, estava desativada. Mas a de vídeo, que funciona como um mini cinema, estava a todo vapor! Lá, a televisão passava filmes pornô sem parar, enquanto homens sentados nas cadeiras enfileiradas se masturbavam ou faziam sexo oral uns nos outros. Novamente, sem cerimônia, os pênis, maiores ou menores, eretos ou não, eram expostos para fora das toalhas. Chamou atenção, um senhor de cabeça branca, que devia ter uns 60 anos, e ficou a maior parte do tempo assistindo às pornografias sem se tocar.
Do outro lado do segundo andar, no fim de um corredor, estava o dark room, que é, literalmente, um quarto escuro. Tão escuro que ao entrar dá medo de esbarrar em um pênis qualquer e, principalmente, que isso pareça um convite. Ao longo do tempo, os olhos vão se acostumando à escuridão. Por toda a parede, em volta da sala, há um longo banco de concreto com acolchoado em cima. Os homens se sentam, deitam ou ficam de pé.
Como dá para ver pouco, primeiro se ouve. O som de movimentos feitos com a boca anuncia que lá estava acontecendo sexo oral. Pelos vultos, as outras pessoas que estavam na sala se masturbavam. Havia cerca de sete homens lá naquele momento. A coisa foi esquentando e passou para a penetração. Eram pelo menos três homens envolvidos na transa, enquanto outros dois faziam oral e os demais seguiram se tocando.
Essa cena se repetiu várias vezes ao longo da noite: sexo livre no dark room, nem sempre com camisinha. Os preservativos eram disponibilizados gratuitamente em suportes espalhados pelo estabelecimento. Às vezes, no meio do sexo, os envolvidos deixavam a sala escura e iam para as cabines.
Lá, a portas fechadas, tudo acontece com mais privacidade, só se ouvem os gemidos e o som do metal das chaves se batendo nos braços. As cabines são iluminadas de vermelho e têm uma cama de concreto com acolchoado. Não é raro encontrar camisinhas usadas e embalagens de preservativo abertas pelo chão ou na lixeira que fica próxima à porta de cada cabine.
Na frente do corredor em que estão as cabines há uma placa informando que a higiene é responsabilidade de cada um. Foi isso que Eric não gostou. “As cabines não são higienizadas, se alguém transou lá e sujou o colchão, outra pessoa vai ter contato com o sêmen. Achei isso bem nojento. Não usaria as cabines”. Ele também diz ter receio de fazer sexo oral nas pessoas de lá. “Embora seja raro transmitir Infecção Sexualmente Transmissível (IST) pelo sexo oral, é uma possibilidade. E lá as pessoas se compartilham, então eu não sei quem usou o membro sexual com quem antes de mim”.
Apesar de ser um ambiente de sexo livre, os usuários da sauna são respeitosos. É claro que olhares e até encaradas são naturais, mas as investidas sexuais são bem mais discretas. Um toque na coxa, ou um carinho nos braços já servem como um pedido. E um afastamento já é suficiente para que o não fique claro. Esse tipo de regra não é falada, nem explicitada em lugar algum.
Alguns dos clientes da Titan não se envergonham de estar lá. É o caso do veterano Otis. Ele deixa bastante claro que até se orgulha de fazer parte dessa comunidade. “Se amanhã eu vir alguém daqui no shopping vou dar ‘boa noite’ normalmente. Tem gente que vira a cara, mas eu não”.
Enquanto isso, o novato Eric tem vergonha e teme sofrer preconceitos por frequentar a sauna. “Tenho medo de ser conhecido como uma pessoa que frequenta sauna. Geralmente homossexuais conhecidos por isso não têm uma imagem muito boa perante a comunidade LGBT. Querendo ou não, não é visto como um local decente e digno”. Isso não o impediria, contudo, de voltar ao lugar. Pelo contrário, ele garante que com certeza voltaria. “Os caras lá são bem safados, mas são bem amigáveis”.
Procurado pela reportagem, o proprietário da Sauna Titan não aceitou conceder entrevista e orientou que seus funcionários fizessem o mesmo.
Por dentro da sauna: em cada lugar, uma oportunidade de prazer
O gel excitante masculino se chama “Volumão”. A embalagem simula um jeans azul com zíper entreaberto, mas Arilene Teixeira, proprietária da Sex Shop Only Love, adverte: não aumenta o pênis! Os lubrificantes vão desde Xana Loca a Siri Ryca. Também tem gel anal dessensibilizante, chamado Ku Loko.
Arilene entrou no ramo dos produtos eróticos após a pandemia, quando o mercado de sex shop cresceu 50%, de acordo com o portal Mercado Erótico. A empreendedora comprou por R$90,00 um curso básico de um especialista na área de brinquedos sexuais e começou a vender os produtos em salões de beleza. Atualmente, expõe seu trabalho nos 120 grupos de WhatsApp de que faz parte. Ela envia anúncios diariamente, grupo por grupo.
Essa é uma dificuldade encontrada pelos profissionais desse ramo: as redes sociais confundem os anúncios de produtos eróticos com pornografia explícita e derrubam as contas de sex shop e vendedores. Isso aconteceu mais de uma vez com Arilene, que já chegou a ter seu número de telefone bloqueado pelo WhatsApp Business.
Não são só as redes sociais que confundem o tipo de serviço oferecido por empreendedoras do ramo de sex shop. Arilene mesmo evita atender desconhecidos pessoalmente, prefere atender virtualmente ou com horário marcado. “Aparece gente achando que é puteiro. Ligam querendo um quarto, outras pessoas querendo garotas de programa”, desabafa a vendedora.
Ela já passou, inclusive, por situações de assédio. No começo da carreira, um suposto cliente ligou de videochamada, começou a se masturbar e a xingar. “Me chamou de vagabunda. Eu fiquei tão paralisada que não consegui desligar o telefone”. Nesse momento, Arilene pensou em desistir da profissão.
Em outro caso, o assediador chegou a ir até a casa de Arilene. Em uma tarde de domingo, o homem bateu no portão de sua residência, que também é a sede da loja, e falou:
- Peguei o endereço no Google.
Ao que ela responde:
- Cara, mas eu não atendo aqui.
E o diálogo seguiu:
- Mas eu só quero comprar uma calcinha.
- Não, tudo bem. Eu tenho aqui umas fantasias… Essa, essa…
- Mas você não tem calcinha?
Ela foi pegar as calcinhas no armário e o homem rapidamente tirou a roupa. Quando ela se virou, ele já estava nu. Arilene disse:
- Isso aqui é uma casa! Aqui produto erótico não se prova!
- Pois eu vou provar!
A vendedora se aproximava do telefone e ele dizia:
- Não pega o telefone!
Ela estava apenas acompanhada do irmão, que é uma pessoa com autismo, e queria chamar a polícia, mas sentiu muito medo e ameaçou:
- Meu irmão está aí, você está pelado na minha sala.
- Eu vou vestir minha roupa.
- Tudo bem, então vista.
O homem disse que iria levar o produto, mas antes tinha que pegar sua carteira no carro. Saiu da casa e nunca mais voltou. A calcinha foi jogada fora porque ele a colocou no corpo e, como medida de segurança, Arilene adquiriu câmeras para o estabelecimento.
Esse problema parece se estender a todas as mulheres que têm trabalhos relacionados a sexo e sexualidade. A sexóloga Karina Brum compartilha relatos similares. “Já aconteceu de a pessoa marcar horário e perguntar se precisa se depilar, se tem que ir com roupa confortável. É uma sessão terapêutica, não haverá sexo, não faço sexo e não avalio isso”.
Muitas pessoas não estão preparadas para usar e falar sobre produtos eróticos. Veem como safadeza, uma enganação de si mesmo, pecado e traição, no caso de relacionamentos. Mas, Arilene vê os produtos eróticos como facilitadores. Seja para apimentar a relação, sair da rotina e se autoconhecer.
“A mulher está mais preparada para sentir dor do que para usar um lubrificante, porque culturalmente ela foi criada pensando que isso é coisa de mulher sem-vergonha”, declara a dona de sex shop. Os estigmas relacionados ao sexo vêm da falta de conhecimento e da falta de espaço de fala sobre o assunto. De acordo com Karina Brum, isso tem origem na infância, já que pouquíssimos pais falam de forma*- saudável e natural sobre sexualidade. “Se você nasceu em um país com a cultura patriarcal e sistema falocêntrico, o machismo opera. Às vezes até os pais não têm acesso, nem conhecimento”.
Vencer os estigmas relacionados ao sexo realmente pode ser difícil, principalmente em uma idade mais avançada. Arilene conta que atendeu recentemente um senhor de 78 anos. No início, ele não teve coragem de olhar nos olhos da vendedora, ficou de cabeça baixa o tempo todo. O idoso procurava uma prótese peniana, e só começou a se soltar depois de muita conversa. “Tenho 78 anos, mas sou um velho safado”, admitiu o cliente.
Segundo a proprietária do Sex Shop Only Love, os itens mais vendidos em Campo Grande são lubrificantes, produtos para sexo oral e anal, próteses e vibradores. Na sua loja, que tem maioria de clientes homens, o que mais sai são os produtos anais. Alguns compram para uso próprio, mas poucos assumem. Falam que é para usar na namorada ou que estão comprando para um amigo. Também existem aqueles que pedem que suas parceiras façam sexo anal e fazem de tudo para conseguir.
No vídeo abaixo, Arilene mostra produtos de seu catálogo e explica sobre o uso:
Arilene Teixeira, proprietária do sex shop Only Love, mostra produtos de seu catálogo
No motel Classic, na Avenida Gury Marques, próximo ao Fort Atacadista, se esconde a única casa de swing ainda em atividade em Campo Grande. Há menos de dez anos eram pelos menos três empresas do ramo do sexo liberal entre casais na capital. Atualmente, só funciona o Nikkey Swing Club.
As imagens de divulgação do espaço são ilustradas com fotos de mulheres e homens com os corpos estereotipados tiradas diretamente de filmes pornô de qualidade duvidosa. “Terça Erótica - encontro para casais, solteiras e solteiros. Uma noite para que todos possam realizar suas fantasias de forma alegre, sensual e com muito erotismo. A pegada aqui é forte!”. Esse é o texto que acompanhava as fotos.
Quando se entra em contato com o proprietário da casa, um longo texto de instruções é passado. Os preços variam entre R$230,00 para homens desacompanhados (com vagas limitadas para essa categoria), nos dias mais caros, como a noite de Halloween; e R$60,00 para casais em dias mais baratos. Para mulheres desacompanhadas, que parecem ser a grande atração da noite, a entrada é franca.
Para os homens, o traje sugerido é esporte fino. Para as mulheres, o lugar é mais liberal e define: “elas podem abusar da roupa sensual. É possível se vestir de forma sexy e sensual sem abusar dos decotes, roupas curtas e coladas. Um vestidinho com um tecido leve, que mostre os contornos do seu corpo, uma mini saia, blusinhas etc.”.
Depois, quem quer ir à troca de casais precisa fazer um cadastro digno de cartório. Com CPF e tudo. Só então, a entrada é liberada.
As festas acontecem às terças e sábados, das 22h às 03h. Já era perto da meia noite de uma terça-feira comum quando chegamos ao motel e nos encaminhamos para uma das últimas garagens. A recepção é por conta de um simpático homem de uns 50 anos, o dono da Nikkey. “Vocês estão com RG, né? Porque ela tem uma cara de criança… Se a polícia bate aqui…”, perguntou. De pronto confirmamos que o documento de identidade estava no bolso, mas ninguém pediu para vê-lo.
Atrás da porta de entrada havia um biombo, que esconde um bar, algumas mesas de plástico, pessoas que conversavam sentadas, e uma piscina. O casal de iniciantes, que chegava acuado e visitava a casa pela primeira vez, ganhou um tour bastante didático pelo local. Aquele homem simpático mostrou cada um dos cômodos.
Ao lado do bar, uma grossa porta de madeira dá acesso à pista de dança. “Se eu não falasse, vocês não iam adivinhar que essa é a pista de dança”, brincou o guia. No palco, o DJ tocava músicas atuais, do funk ao pop, ao lado de uma barra de pole dance. Casais dançavam e conversavam, enquanto outras mulheres dançavam sozinhas e homens ficavam apenas observando.
Continuando o tour, atravessamos um corredor e chegamos aos banheiros. O feminino é só para as damas, enquanto no masculino elas também podem entrar à vontade. Inclusive para “brincar”, como explicou o dono do swing, sempre se dirigindo ao homem da relação. Mais à frente, cinco cabines com porta de vidro, onde duplas, trios, ou quartetos e por aí vai, podem se exibir transando, enquanto outras pessoas (depois descobriríamos que principalmente homens) assistem.
Os últimos dois cômodos mostrados no tour foram o sofazão e a camona. O primeiro, de acordo com o proprietário, é a origem das casas de swing no Brasil. Um sofá que acompanha as paredes de um quarto grande. E a camona é autoexplicativa. Era bem grande mesmo. Por todos os cantos, rolos de papel toalha esperavam as primeiras gotas de suor e esperma para serem limpas.
Duas orientações principais sobre as normas de conduta foram passadas pelo guia: você pode participar de tudo ou só ficar “como uma mosquinha na sopa”, observando as cenas; e um leve toque na perna ou no braço é um convite, um afastamento é uma negativa.
Feitas todas as introduções, voltamos à pista de dança. Tudo parecia muito normal. O mais diferente eram as mulheres dançando e levantando o vestido. Até que, sorrateiramente, um homem de bigode e cabelos brancos sacou para fora seu pênis ao mesmo tempo em que a mulher que o acompanhava levantou a saia jeans.
Lá estava a primeira cena de sexo explícito da noite. Para os mais recatados, foi assustador. O ato ali durou poucos minutos, até que ela parou, tirou a calcinha e se encaminhou para a camona. Outras pessoas os seguiram, principalmente homens. O congestionamento de homens era tão grande que foi difícil chegar ao quarto para assistir ao que acontecia.
Depois que aquela ação acabou, voltaram todos para a pista de dança. Essa cena se repetiu algumas vezes: casais iam para os quartos e curiosos iam atrás. Em um dado momento, no sofazão, uma mulher, que gemia de forma estridente, era penetrada por um homem enquanto masturbava outros dois. Nenhuma outra mulher estava na sala. Homens, uma dezena deles, estavam parados em volta observando como um espetáculo. Alguns se tocavam, outros só olhavam.
O entretenimento ali era voltado para os homens. A mulher parecia um animal no zoológico sendo observada pelo público entusiasmado. Ela, contudo, não parecia se importar. Pelo contrário, parecia bastante excitada e envolvida no ato. As mulheres lá eram a atração principal, mas demonstravam gostar disso.
Anastácia, que prefere não ser identificada e por isso não está sendo chamada pelo nome verdadeiro, já participou dessa e de outras festas com troca de casal. “Me senti uma atriz de 50 tons de cinza, como se eu fosse a personagem de uma novela, série ou filme sexual”. Ela conta que se sentiu empoderada. “Caralho, sou gostosa mesmo, tem muita gente aqui querendo ficar comigo e me olhando. Me senti lá no topo”.
De dentro do quarto com o sofazão, ouvia-se um alvoroço vindo da pista de dança. Uma mulher loira dançava completamente nua em cima do palco. O hit Ragatanga, da banda Rouge, embalou o show. Seu parceiro, de uns 50 anos, uma figura, dançava freneticamente acompanhando a loira.
Quando se imagina uma casa de swing, o resultado óbvio é a troca de casais. Mas essa não é a regra: o lugar é bagunçado, mas tem gerência. Os casais ficam juntos a maior parte do tempo, trocando carícias e dançando na pista. Alguns até se compartilham, mas não o tempo todo.
Na sala com a camona, por exemplo, no fim da noite, seis casais se pegavam simultaneamente. Nenhuma troca acontecendo. Como sempre, homens observavam o espetáculo.
Por volta das 2h30, o lugar já estava bastante esvaziado. Sobrou só uma meia dúzia de casais, algumas pessoas trocando contatos e duas mulheres de top less brincando (não sexualmente) na piscina. Mas a noite não necessariamente acabaria ali para todos. “Quando saímos de lá, foi uma das melhores noites de sexo que eu tive na vida. A gente transou horrores e foi uma delícia”, conta Anastácia sobre uma das suas experiências no swing, com seu acompanhante que não era namorado, nem marido. Ela o define como um “P.A., o famoso pau amigo”.
Anastácia diz que teve dificuldades em convencer o companheiro a embarcar nessa. “Ao mesmo tempo que o homem quer ser o garanhão, comer várias mulheres, na hora de ver sua parceira com outras pessoas as coisas mudam”.
A sexóloga Karina Brum adverte para a necessidade de uma preparação prévia para os casais. “Os envolvidos têm que ter uma base segura, saudável, consensual, com regras e limites bem estabelecidos para não acontecer nenhum sofrimento psíquico”.
Também é importante impor limites para a manutenção de relacionamentos saudáveis. “Tem os casos mais absurdos de pessoas que obrigam, ‘se a gente não for numa casa de swing, vamos nos divorciar ou vou procurar outro na rua’. Quando uma mulher ou um homem escuta isso, esse relacionamento já está falido”.
O número é assustador: 65% das mulheres heterossexuais nunca chegaram ao orgasmo, de acordo com um estudo publicado no periódico estadunidense Archives of Sexual Behavior. E a massagista tântrica Nádia Menezes acredita que esse número é subnotificado. “A maioria das mulheres finge prazer. E às vezes nem sabe o que é prazer, só percebe que fingia quando descobre o que é orgasmo”.
Traumas, abusos sexuais, relações tóxicas, falta de libido, dificuldade em chegar ao orgasmo, problemas de ereção, ejaculação precoce, entre outros problemas ligados à saúde e à liberdade sexual. Segundo massagista, todos podem ser superados com o tântra, que é uma terapia que trata diversas questões, inclusive as disfunções sexuais. Uma das modalidades de tântra é a massagem tântrica. Ela ajuda no autoconhecimento e a estimular e aprimorar a sexualidade e a vida sexual.
Nádia Menezes, massagista tântrica, em seu local de trabalho.
Nadia Menezes é massoterapeuta e especialista em massagem tântrica. A sessão de massagem acontece da seguinte forma: primeiro, uma meditação para a pessoa se conectar com ela mesma. Depois uma massagem sensitiva, que é feita com a pontinha dos dedos no corpo todo. O objetivo é ativar e aflorar novas sensações em locais que a pessoa sente prazer, mas não sabe. Às vezes, o orgasmo vem aí mesmo, mas nem sempre. Para finalizar e para que a pessoa chegue ao clímax, ela massageia a região íntima. Nas mulheres, essa última modalidade se chama Yoni e nos homens, Lingam.
Toque suave, massagem íntima e orgasmo. Parece sacanagem, mas não é! O toque é terapêutico, a massagista sempre fica de roupa e não é tocada de volta. Na massagem, nada é introduzido e não se trata de sexo.
Mas, Nadia revela que todos os dias recebe ligações de pessoas procurando outras coisas, que não massagem. Até arrisca dizer que 90% dos homens procuram sexo. E isso não fica restrito ao tântra. As pessoas que fazem outras modalidades de massagem também recebem investidas indecorosas e convites sexuais indevidos. Desde perguntas como “mas é só massagem? não tem nada a mais?”, até propostas em dinheiro, como Nadia relata. “A pessoa oferece e quando você fala ‘não’ parece que aquilo aguça mais”.
É por isso que a massagista precisa fazer uma espécie de seleção antes de atender qualquer pessoa, explicando exatamente do que se trata a massagem tântrica e quais são os limites. “Quando eu vejo que a pessoa está com sacanagem já desisto. Não tenho paciência para leviandade. Tenho fama de grossa, mas prefiro ser grossa do que outra coisa.”
Além da orientação prévia, no início de cada sessão, a massoterapeuta conversa com o cliente para entender porque ele procurou esse serviço. Em casos mais extremos, como traumas profundos em que a pessoa sequer consegue tirar a roupa para a massagem, a sessão pode se transformar em uma conversa. “Respeito cada etapa. Pode ser que você venha e se entregue, como também pode ser que você não consiga. Vou até onde você permitir”, afirma Nádia.
Apesar de não ser uma psicóloga, a massagista tântrica consegue auxiliar em problemas emocionais e psicológicos, mas quando é algo patológico ou crônico, a orientação sempre é procurar um médico. Inclusive há casos em que médicos encaminham pacientes para a massagem tântrica. Os serviços de profissionais da psicologia também nunca são dispensados.
Para a sexóloga Karina Brum, a massagem tântrica é um processo de descoberta sensorial. “Os profissionais que realizam esse serviço, oferecem autoconhecimento para a pessoa entender que sexo não é só penetração. Às vezes nem é penetração. É o estímulo da pele, que é o maior órgão do corpo, e proporciona prazer”. Ela concorda que a massagem tântrica tem benefícios, desde que seja feita por um bom profissional, capacitado.
Essa ressalva também é feita por Nádia. Há pessoas em Campo Grande que supostamente são massagistas tântricos e às vezes até oferecem seus serviços gratuitamente, mas não têm qualquer capacitação na área. Elas podem se aproveitar da situação de vulnerabilidade de quem procura o tântra para cometer assédio.
Apesar de ser muito ligado à massagem tântrica, o orgasmo não é obrigatório. De acordo com Nádia Menezes, é difícil a pessoa não chegar ao clímax, mas pode acontecer. Na maioria das vezes precisa de mais de uma sessão para um tratamento completo, nem sempre o prazer máximo vai ser alcançado de primeira.
Nádia garante que após experienciar a massagem tântrica, a pessoa passa dias andando em nuvens. “É um prazer diferente, um orgasmo diferente de relação sexual, de penetração. É seu, é só para você”. A massagista está ali como uma figura neutra, não há preocupações com a performance, com o corpo, se está bom ou não, se o outro está gostando.
Brum alerta que não se trata apenas de gozar. “Se você só quer isso, é mais fácil comprar um vibrador no sex shop, muito mais rápido e prático. Agora, se você quer se conhecer, entender o próprio corpo e o corpo do outro, aí é interessante buscar um profissional que explique e entenda a parte teórica da massagem tântrica”.
Nádia é testemunha dos benefícios da massagem tântrica. Ela conheceu o tântra já com mais de 30 anos e teve seu primeiro orgasmo em uma sessão. “E não foi com nenhum toque na vagina, apenas com o toque sensitivo dos dedos”. A modalidade também a ajudou a superar outras barreiras em sua vida, como a timidez. “Eu era uma mulher que não abraçava. Um final de semana de curso mudou minha vida. Parece bobagem, hoje eu vejo como é simples, mas antes não era”.
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