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Relações biológicas

Comércio e lazer andam sempre juntos, mas a falta de planejamento pode atrapalhar essa proximidade


Beatriz Barreto e Anne E. Marinho



O mutualismo entre o lazer e o comércio na capital é algo quase biológico e essa associação benéfica para ambas as partes pode se originar em razão da existência uma da outra, ou seja, espaços de lazer que proporcionam o surgimento do comércio e vice-versa. O termo possui viés de alimentação, transporte ou proteção e se deriva do latim "mutare", que significa deslocar ou alterar de lugar, na qual todos os envolvidos se favorecem ao considerar que há uma relação harmônica de troca recíproca, mutual e facultativa.


Estátua presente na praça do peixe e início do corredor gastronômico.

Fotos: Anne Marinho


Praça do Peixe e Corredor Gastronômico


Comerciantes abrem as portas dos seus estabelecimentos a partir do entardecer e então o movimento começa a acontecer. Funcionários organizam mesas e cadeiras, atualizam o cardápio da noite, acendem as luzes dos restaurantes e as chamas dos fogões. Na rua, do lado de fora, outras luzes chamam a atenção. São os faróis de carros e motos que transitam em uma das avenidas mais populares da cidade, a Bom Pastor, reconhecida como Corredor Gastronômico. O vai-e-vem dos veículos resulta no fluxo de ar que mistura o cheiro dos mais variados ingredientes e temperos contidos nas comidas comercializadas no local, que vão das típicas regionais às internacionais como, o caldo de cana e pastel ou Sushi e frutos do mar, por exemplo. Atraindo o público consumidor para saborear deliciosos pratos culinários e aproveitar o tempo de qualidade com a família e amigos nesses espaços.



Mapa turístico ilustrado de Campo Grande recomendado pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo.

Créditos: Reprodução website da Sectur


Sair para comprar nas lojas ou frequentar os bares e cozinhas presentes na Av. Bom Pastor é algo recomendado pela Prefeitura, que apontou o lugar como sugestão de destino no mapa turístico ilustrado da capital sul-mato-grossense disponível no website da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur). Suelem Formentao, 21 anos, escolheu o rodízio da pizzaria "Pedaço da Pizza" localizada lá, para celebrar o seu aniversário em outubro de 2023. “Já vivi momentos bastante legais ali, como comemoração da empresa em que trabalhei e, esse ano, o meu aniversário. No dia, saímos caminhando pela rua e decidimos na hora para onde iríamos, porque lá tem várias opções interessantes de novos espaços para conhecer”. Assim como Suelem, que é campo-grandense, turistas de outros estados e países também visitam a Avenida.

A crescente curiosidade dos visitantes chamou a atenção das autoridades e a caracterização como “Corredor Gastronômico, Turístico e Cultural do Bairro Vilas Boas” foi estabelecida pelo Prefeito Gilmar Olarte em 2014, com a lei de nº5.414/2014 publicada em 8 de dezembro no Diário Oficial de Campo Grande-MS (Diogrande). O decreto prevê que a Prefeitura incentive a promoção e o ordenamento do local, ou seja, a organização do seu funcionamento mediante o apoio conjunto aos órgão públicos, privados e entidades envolvidas, por meio de intervenções ou até subsídios por editais de fomento. Visando preservar, de acordo com o Art. 3º: I - o livre trânsito de veículos e pedestres; II - a segurança, III - a estética, IV - a sinalização indicativa dos estabelecimentos participantes, V - A repressão ao comércio ambulante irregular, VI - apresentações musicais, poéticas e artísticas e, VII - festivais, encontros gastronômicos e culturais. Além disso, também garante a possibilidade da criação de outros corredores gastronômicos, desde que tenham suas vocações e finalidades aprovadas pelo Poder Legislativo.

Mas, a fama da avenida que fica compreendida entre a Rua do Marco e a Avenida Eduardo Elias Zahran só foi adquirida ao longo do tempo, iniciada pelo comércio de refeições. Um empreendimento instigou o outro e a demanda do público fez com que surgissem cada vez mais alternativas de estabelecimentos nas imediações. O que poucas pessoas sabem, é que isso tudo, só foi possível depois da inauguração do primeiro centro social do bairro Vilas Boas, a Praça Demosthenes Martins, em 26 de setembro de 1995, mais conhecida como Praça do Peixe. Com o funcionamento do local e a ótima receptividade que alcançou, acabou atraindo frequentadores que criaram uma rota de visitação que perpassa a Rua Bom Pastor, com acesso vindo dos bairros ou pelo centro da cidade que fica localizado próximo dali.


Visão superior da Praça do Peixe de Campo Grande-MS

Crédito: Fellipe Lima


O design da praça foi planejado pelo arquiteto e urbanista Elídio Pinheiro, que se inspirou na aparência de um peixe, mais precisamente o Dourado, típico das águas doces sul-pantaneiras. O formato pode ser percebido se a planta for avistada de cima e nela contemplam estruturas de: corredores com faixas azuis que imitam ondas para a prática de caminhadas, arborização com diversas espécies de plantas, bancos de concreto, palco, quadra poliesportiva que possui cesta de basquete e rede de futebol, quadra de areia, parquinho com escorregador e brinquedos de madeira para as crianças, espaços cobertos, banheiro, lanchonete e torneira com água pública. Fora isso, no segmento da Avenida Bom Pastor está incluso também, o ponto de ônibus que detém assento e cobertura metálica. Em 2011, durante a gestão do ex-prefeito, Nelson Trad Filho, houve a revitalização que trouxe a instalação de rampas para os skates e piso tátil para facilitar a mobilidade dos deficientes visuais. Já em 2017, no mandato do ex-prefeito Marquinhos Trad, a Prefeitura e o Instituto Sabin em parceria, implantaram ali a academia ao ar livre.


Placa presente na Praça do Peixe

Crédito: Anne Marinho


Elídio Pinheiro Filho é formado em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Bennet do Rio de Janeiro e já trabalhou na Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Fundrem) e também como professor ensinando a sua área de formação, no Centro de Ensino Superior de Palmas (Cesup). Em Mato Grosso do Sul, foi Secretário Municipal de Transporte e Trânsito e depois, trabalhou como Diretor Presidente responsável pela Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran).

Planejou a estruturação da Praça do Peixe quando era secretário e acredita que o design inventado foi o resultado de várias experiências obtidas até aquele momento em sua vida. Ele é nascido aqui no estado e na juventude se mudou para estudar no Rio de Janeiro, lugar que caracteriza como abrangente de muitas áreas públicas voltadas ao lazer, que contam por exemplo com praias e montanhas, como o Parque Bondinho e seus teleféricos. Recorda ter iniciado seus trabalhos instalando centrais telefônicas em diversos municípios no interior da Amazônia, onde a flora do bioma era quase inexplorada e reforça que, essas vivências o moldaram para compreender como a cidade deve ser integrada em equilíbrio à natureza.

Durante a elaboração de seus projetos, passou a pensar em espaços nos quais as pessoas pudessem se reunir e admirar o meio ambiente. Na época em que desenhou a praça, o território retangular e plano já era designado para o público, mas estava em desuso. Buscou então, homenagear de alguma maneira os elementos característicos regionais e deixou a imaginação tomar conta, conseguindo assim vislumbrar ali a figura de um peixe. Apesar de gostar da ideia, detestava a atividade de pescaria e escolheu essa representação motivado apenas pela possibilidade de planejar cada setor ou estrutura física com o uso de cores vibrantes que atraíssem públicos de distintas faixas etárias, impactando desde a infância até a velhice, preocupado também com a função de cada item agregado.


O comércio quer estar onde o povo está


Pinheiro acredita que é de fundamental importância a existência desses espaços que promovam a coletividade da convivência urbana e humana: “É com orgulho que eu vejo as coisas que eu fiz. Ser o responsável por qualquer tipo de criação ou obras arquitetônicas dá um prazer incrível, principalmente ao ver as pessoas utilizando e gostando daquilo”. Assim como é favorável à apropriação do comércio pelos frequentadores de espaços públicos de lazer, mas somente se essa operação for executada de forma organizada. Afirma que quando pensou nos detalhes da praça não previu que nela haveria uma feira que ocuparia quase todo o local: “Achei talvez, que os espaços comerciais pudessem atrapalhar o uso da área pela população”. Portanto delimitou um pequeno perímetro e o reservou para ser ocupado por um quiosque de madeira que chamou de “chapéu de palha”, onde dentro dele as vendas poderiam acontecer, o qual seria equipado com uma estrutura de cobertura que foi produzida artesanalmente por indígenas da etnia Terena.


Maria Sebastiana, comerciante responsável pela cama elástica na praça do peixe.

Crédito: Anne Marinho


Maria Sebastiana, 56 anos, é professora de educação infantil e comerciante na praça há quase uma década no ramo das camas elásticas (pula-pula) e relembra o cenário que encontrou quando começou seu empreendimento: “Não tinha praticamente ninguém e nem a lanchonete (quiosque) funcionava. Com os anos, as pessoas foram chegando e a venda na lanchonete se tornou fixa. A partir disso, surgiu a feira aos finais de semana”. Ressalta ainda que ao mesmo tempo em que trabalha para obtenção de lucro, também usa seu tempo para desfrutar o espaço de lazer que ali encontra. “Eu gosto de ficar aqui, é bem ventilado e agradável. Além da renda extra que a gente precisa, é sempre bom sair um pouco do estresse do dia-a-dia”.

A cada segundo sábado do mês é realizada a Feira da Praça do Peixe, mantendo essa associação benéfica e mutualística entre o comércio e o lazer. Ali são comercializados diversos serviços e produtos (desde gastronômicos a artesanatos, cosméticos, decorações ou roupas, por exemplo), contando ainda com apresentações de dança e atrações musicais que permitem e encorajam a exposição dos talentos dos próprios moradores do bairro. Uma curiosidade é que a maioria das bancas da feira pertencem a mulheres que enxergam ali a oportunidade de executar o seu negócio e prospectar novos clientes. Com o destaque obtido pela feira, a partir de 2018, elas se juntaram para formar uma entidade colaborativa denominada de Liga de Mulheres Empreendedoras e para a participação, as expositoras integrantes investem apenas um valor mínimo referente à divulgação dos seus produtos nas redes sociais da Liga.



Bancas expositoras da Praça do Peixe, Villara Chocolateria e Arte Atelier Biju 's

Crédito: Reprodução Instagram @ligamulheresempreendedorascg


Uma delas é a Thays Lara Vilalba, 28 anos, expositora da feira e proprietária da Villara Chocolateria, um empreendimento que trabalha com a venda de trufas gourmet. “Me orgulho muito de fazer parte da Liga das Mulheres Empreendedoras e somos muito importantes para garantir o giro financeiro na região da praça. É uma maneira de valorizar o espaço e a economia de Campo Grande”. Vilalba acentua que consegue vender e consumir produtos diferentes do seu segmento comercializados ali pelas suas colegas, aproveitando para criar novas amizades, rede de contatos e parcerias, enquanto aprecia o conforto do lugar. Outra expositora é Leila Moreira Souza Ribeiro, 48 anos, proprietária da Arte Atelier Biju 's, que empreende no ramo do artesanato diversificado feito em peças de antiguidades, canecas, quadros vintages e vasos de plantas. Ribeiro comenta que levar o artesanato até a Praça do Peixe é algo que faz com que ela saia do cotidiano: “Lá tenho momentos únicos de distração, onde posso relaxar e oferecer para meus clientes produtos estilosos com peças exclusivas”.

O comércio não funciona somente quando a Liga está presente, pois, além da lanchonete fixada ali, diariamente muitas outras barracas ocupam o entorno e o interior da praça, desde food trucks até carrinhos de cachorro quente ou de sorvete. Comercializando ou não, o importante é aproveitar. Essa é a opinião que possui a dupla de amigos Andrey da Silva Passos, 17 anos e Vinicius Sanches Fernandes, 15 anos. Os dois estudam na mesma escola e quando a agenda fica livre, conciliam os estudos com o divertimento se reunindo na quadra poliesportiva da praça para jogar basquete e vôlei. Por morarem em bairros próximos, as vindas se tornaram rotineiras e passaram a ter o costume de chegar às 14h e ir embora somente após o fim do pôr do sol. Destacam que depois dos jogos sempre bate aquela fome ou sede e, então, buscam comprar lanches, sorvetes ou a tradicional Coca-Cola bem gelada nas barracas inseridas no local e reafirmam a importância de haver a harmonia entre o comércio e o lazer.


Andrey e Vinicius frequentam a praça para praticar esporte.

Crédito: Anne Marinho


Em 2019, o Fundo Municipal de Incentivos Culturais (FMIC) foi destinado pela Prefeitura em parceria com a Sectur, ao projeto “Se Liga na Praça do Peixe” para fornecer ainda mais o suporte e o respaldo financeiro para continuidade dessas ações. O programa oferecido tem o objetivo de impulsionar anualmente os setores artísticos e culturais por meio do financiamento de projetos em diferentes modalidades e, a iniciativa de obtenção desse recurso foi tomada pelo poeta, produtor, escritor, pesquisador do pensamento humano e professor da rede pública de educação, Thiago Moura, de 38 anos, que criou a proposta do projeto e submeteu ao edital de seleção divulgado no Diogrande. Thiago visou valorizar o espaço com ações gratuitas destinadas a toda a população, que envolvessem a arte e o incentivo ao livre comércio para expositores locais de baixa renda que não possuíssem condições de pagar para integrar uma associação de empreendedores, por exemplo. O projeto só teve a sua realização efetivada em 2021 devido à pandemia de Covid-19, mas assegurou manter e respeitar todos os critérios de biossegurança estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tais como o uso de máscaras de proteção e álcool em gel.

O poeta já estava habituado às inscrições para editais públicos de fomento antes de ser contemplado com o Fundo Municipal e foi assim que ele conseguiu que os seus livros autorais fossem publicados, tal como participar de eventos ou teatros se apresentando e gravar filmes ou documentários. Em 2014, se encantou quando foi à Praça do Peixe pela primeira vez e naquele dia, Moura já sabia o potencial que o lugar tinha de receber atividades mobilizadoras de realidades. Passou a visitar cada vez mais o espaço para realizar suas intervenções artísticas sozinho sobre o palco e com os anos, percebeu a proporção que isso gerou ao prestigiar outros moradores e estudantes de escolas públicas e privadas indo lá para fazer o mesmo que ele. Animado com a situação, resolveu elaborar algo que possibilitasse a participação de toda a comunidade: “Essa é uma praça tão interessante e bonita, preciso fazer algo aqui”, recorda. Isso já estava intencionado pelo arquiteto Elídio Pinheiro quando afirmou que: “O olho do peixe é o palco redondo com acesso por todos os lados que projetei para as pessoas fazerem qualquer manifestação artística que quiserem em cima. O meu objetivo principal foi fazer um espaço para as pessoas compartilharem emoções e interações”.

Outra intenção que ele tinha, era formar o público para consumir e se atrair pela arte e a cultura: “Formamos o público indo de encontro até ele em uma praça, por exemplo”. Nas suas idas iniciais à praça, ele levava consigo seus livros de poesia para vender, mas se eventualmente alguém tivesse interesse em adquirir a leitura sem ter como os comprar, Moura o presentava gratuitamente com um exemplar: “Minha proposta era promover a arte e a poesia de forma democrática”, complementa. O evento Se Liga na Praça do Peixe contou em média com a participação de 210 expositores, homens e mulheres e esse viés foi pensado também para o seu exercício, que tenha como premissas ocupar o espaço público e receber os expositores gratuitamente, do mesmo modo que, capacitar os empreendedores para seguirem com suas vendas sem a necessidade do auxílio de seu idealizador. “Disse para eles que eu gostava apenas de dar o start, mas que depois disso, eles deveriam prosseguir de forma independente as ações do evento. Porque eu já sonhava com outros planos para alcançar outras pessoas, em outros lugares do estado”.

O escritor enfatiza que ficou muito contente em ver isso acontecer de fato: “Eles continuam fazendo o evento e eu vou sempre que posso para prestigiá-los”. Na sua opinião, a feira da Praça do Peixe, hoje, já está estruturada e em razão disso ele se questiona em qual outro lugar da Cidade Morena ou do Mato Grosso do Sul que seria possível fazer um projeto similar ao de 2021: “Eu procuro outros bairros e suas comunidades pertencentes para levar a arte e a cultura e, lá agir da mesma forma, ou seja, chegar para fazer o projeto durante um ano e depois deixar que eles deem continuidade”.


Produtor Thiago Moura e finalistas do concurso de poesias do evento Se Liga na Praça do Peixe, em 2021

Crédito: Reprodução Instagram @seliganapracadopeixe


Como em um brainstorm (técnica publicitária que pode ser traduzida como chuva de ideias) suas propostas fluíam e ainda durante o evento resolveu elaborar também com os mesmos colaboradores, um concurso de poesias autorais aberto para a participação geral sul-mato-grossense, sem restrição de idade. As poesias que fossem selecionadas no concurso, seriam publicadas em livro físico e disponibilizadas também em e-book (virtual), compondo a antologia nomeada de “Poesia de Praça”. Moura fez questão que em dezembro houvesse uma data específica (18) separada para celebrar em conjunto aos autores essa publicação que encerraria o ano com chave-de-ouro e cumpriria ainda mais os objetivos pretendidos. O reconhecimento deles se deu com a entrega dos certificados de classificação e premiação em dinheiro para as colocações de primeiro, segundo e terceiro lugar. “Foi muito bacana, pois vieram pessoas de outras cidades, teve gente que veio de Três Lagoas e de Dourados”, relata o produtor.

Thiago diz que os responsáveis pelo edital o acompanharam durante a trajetória total de execução do projeto e explica que é necessário fazer e pensar no evento, de forma crítica e consciente: “É preciso fazer um evento que agrade a todos para que ele obtenha sucesso. Por isso, nós evitamos fechar ruas e buscamos sempre contar com a parceria dos órgãos organizadores e reguladores, como os de trânsito e segurança pública, por exemplo”. Ele também ressalta a importância de respeitar o direito sonoro dos moradores locais contendo o alto volume dos microfones e manter outras questões, como a limpeza da praça: “Não acho adequado fazer o evento e depois deixar a praça toda bagunçada e suja. Todas as barracas da feira tinham anexadas cestos para o lixo, que depois recolhemos juntos, retirando também todas as faixas de divulgação e estruturas montadas”. O arquiteto idealizador da Praça, ressalta a relevância do emprego desse bom planejamento comentado por Thiago e atribui que nele, deve haver uma visão de futuro que leve em consideração o dinamismo crescente da sociedade.

Pinheiro fala que a determinação do uso e ocupação do solo urbano é determinada pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Campo Grande (PDDUA) e a regulação da legislação urbanística se dá pela Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano (Planurb). Suas diretrizes precisam estar integradas com todos os outros setores públicos de administração do município, de forma crucial tanto para o alinhamento de interesses, quanto para garantir que a execução das obras estejam apropriadas. Ele informa que essa integração em um plano municipal de boa qualidade, além de fundamental é uma discussão também antiga e para facilitar a compreensão de como se dá essa relação, ele utiliza o exemplo: “Vamos supor que temos uma área e a Secretaria de Transportes pretende acrescentar ali um ponto de ônibus mas a rua não é asfaltada, o que prejudicaria os ônibus que teriam que ter a sua frota substituída futuramente por passarem naquela linha. Aí só depois dessa problemática a rua seria asfaltada, mas se a empresa de saneamento não for acionada, ela vai precisar abrir o asfalto para passar encanamento e assim por diante”.

Elídio diz que a associação benéfica entre o lazer e o comércio só ocorrerá se essas questões forem abordadas, assim, o comércio conseguiria originar o lazer e o lazer poderia originar o comércio. O projetista admite que é mais difícil ter que projetar espaços de lazer em territórios que já estão amplamente envoltos pela urbanização (como acontece por exemplo com os edifícios nos centros urbanos), do que em bairros com pouca densidade populacional: “Quando fui designado para desenhar a Praça do Peixe, o bairro Vilas Boas não era considerado bem localizado como é hoje”. Adianta ainda que não concorda com discurso do economês de que é preciso sempre otimizar os espaços, os ocupando no máximo possível, pois acredita que isso está estragando a beleza das cidades e reforça sua colocação como o exemplo ocorrido com os rios, que ficaram poluídos ou o bioma do pantanal que cada vez mais vem sendo desmatado.


Mutualismo ou amensalismo?


Acessando suas redes sociais em novembro de 2023, o arquiteto se surpreendeu como o comércio usufruiu da prática do lazer ao se deparar com um anúncio da empresa construtora e incorporadora que utilizou sua criação, a Praça do Peixe, como ponto de referência e recurso de divulgação para a venda de seus novos apartamentos. No website, eles disponibilizaram artes gráficas e audiovisuais que apresentam descrições publicitárias de frases como: “Está nascendo um novo Jooy na região dos Vilas Boas, com a Praça do Peixe no seu quintal” e “Próximo a Praça do Peixe, a uma quadra da Avenida Bom Pastor”. Além de surpreendido, Pinheiro se preocupa, pois na sua opinião, o crescimento exagerado dos prédios nos arredores da praça pode atrapalhar o intuito de liberdade que o lugar carrega, se tornando uma problemática que interferiria na iluminação do sol, bem como limitaria a ventilação de ar ali.

O antônimo do mutualismo é o amensalismo, que se trata da associação desarmônica e ecológica na qual uma espécie compete a sobrevivência e inibe o desenvolvimento de outra. A relação de concorrência e divergência entre o comércio e o lazer, caso não seja fiscalizada, pode se tornar apenas algo aproveitador e impeditivo. Permanecendo com o exemplo das feiras livres (que em Campo Grande são empregadas principalmente nas praças públicas de bairros periféricos), a organização comercial que nela é feita a partir da venda de produtos diversificados promove e expande o crescimento econômico local, ao atrair frequentadores de outras regiões. Isso se torna o pressuposto para a criação de outras entidades comerciais que passam a destinar as suas ações a um público seleto e distinto do inicial, como acontece em shoppings centers, por exemplo, que são construídos nos centros urbanos. Criando o muro que separa aqueles que possuem, daqueles que carecem do capital de aquisição.

Outra questão do amensalismo entre o comércio e o lazer ocorre em decorrência do crescimento das cidades e o consequente distanciamento entre os bairros periféricos aos centros urbanos, considerando também os resultados ocasionados. Praças públicas são localizadas em ambientes arborizados e com campos abertos para a prática do lazer. Já os shoppings centers, são projetados de maneira estratégica para a comercialização e com o tempo, dado a problemas de segurança atrelados a facilitação de compras mais abrangentes que em feiras livres, se apropriaram das características presentes nas praças, do lazer e papel político de espaço social. Um exemplo disso, é a Praça Ary Coelho e o Shopping Campo Grande que estão localizados na mesma avenida, a Afonso Pena, afastados por 4 quilômetros.

O público é atraído também pela estética desses locais e, nesse quesito, mais uma vez o lazer acaba perdendo para o comércio se levar em consideração o caso entre as praças e os shoppings. Por se tratar de uma entidade privada, o shopping recebe maiores investimentos nos recursos destinados ao aprimoramento de sua infraestrutura, enquanto as praças aguardam por revitalizações durante anos, que podem ou não acontecer. Elídio Pinheiro lamenta que até mesmo quando essas tão esperadas revitalizações ocorrem, a opinião dos projetistas dos espaços de lazer são desconsideradas devido à interferência e oposição aos interesses políticos, partidários e comerciais da administração pública relativos a cada distinto mandatário municipal.

Pontua que foi isso o que aconteceu quando a Praça do Peixe foi revitalizada: “Não fui convocado para a atualização da praça. Quem trabalhou no poder público sabe o quanto isso é controverso e que só atrapalha o planejamento, incentivando o imediatismo impensado, deixando de lado a meritocracia dos idealizadores”. Indica que quem sofre com essa emblemática mesquinhez e orgulhosa da ingerência é a população, que deve escolher entre apoiar ou repudiar a relação entre o comércio e o lazer.




Imagem (13): Qr code para acesso aos recursos audiovisuais desta reportagem


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