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Remédios para emagrecimento sem controle são risco à saúde

Novos medicamentos para um emagrecimento rápido reacendem alerta  para os perigos do culto à magreza


Juliene Marques, Giovanna Montoso e Letícia Dantas


“Cabeça de Ozempic” foi um termo que recentemente se alastrou pelas redes sociais. A expressão surgiu após celebridades aparecerem com um corpo magro, porém com a cabeça maior que o restante da estrutura corporal. O efeito visual é consequência do uso indiscriminado do Ozempic, que tem na composição a Semaglutida, responsável por produzir sensação de saciedade e que causa a rápida perda de peso. A popularização do medicamento reflete a busca pela magreza acima da saúde.

 Dados divulgados pela Nielsen Media Research, empresa global de dados e informação, mostram que o mercado brasileiro é propício à venda de medicamentos para emagrecer. Na América Latina, o Brasil é o principal consumidor desses fármacos, chegando a representar 12% de toda região. A nutricionista e farmacêutica Sâmella Angélica Silvano afirma que o consumo desses medicamentos podem levar a uma série de riscos à saúde, como problemas cardíacos, desequilíbrios metabólicos e deficiências nutricionais.

Segundo levantamento realizado pelo Datafolha junto ao Conselho Federal de Farmácia (CFF), cerca de 24% dos brasileiros já consumiram algum medicamento para emagrecer, ainda 54% apontaram que a oferta de um resultado rápido é o fator que mais influencia no momento da compra. Para o sociólogo Ricardo Cruz, o ser humano vive em uma sociedade marcada pela exigência de corresponder aos mais diferentes ideais, em especial os de cunho estético.

 

Ele destaca que cotidianamente somos influenciados a acreditar que a felicidade está associada a possuir um corpo pré-determinado socialmente ou até mesmo que supere todas as exigências sociais. “Temos o credo de que isso nos tornará pessoas mais completas aos olhos dos outros”, complementa. 


Anos 2000: Obesidade é diferente de pressão estética...


As redes sociais, como o Tik Tok e o Instagram, são responsáveis por ditar tendências. Entre elas, estão as clean girl, em tradução livre “garota limpa”, que se refere a uma aparência minimalista, com pouca maquiagem e sem acessórios, e também a messy girl, “garota bagunçada”, em alusão a um estilo despojado. Porém, a que mais ganha a atenção é a volta dos anos 2000, não somente no estilo de maquiagem ou roupas, mas também no corpo físico. A magreza extrema custe o que custar retorna como sinônimo de beleza.

 Isso vem após uma massiva movimentação nas redes sociais pelo body positive, que promove a aceitação corporal, e que foge de padrões estéticos convencionais. Movimento que ganhou força por meio de influenciadores, “se aceite do que jeito que você é” e “meu corpo não me define”, foram frases que marcaram as mídias, mas que caíram no esquecimento pela “tendência”.

Ainda para o sociólogo, o ambiente virtual é um mecanismo de naturalização ou normalização desses padrões ou ideais mais genéricos. Ele aponta que elas podem não ser um bom lugar para que a singularidade seja reconhecida, o desejo então de adequar as concepções amplas significam deixar de lado valores, concepções, desejos ou ideais importantes. “Um cenário que favorece e estimula a comparação a partir de traços gerais”.

A partir dessas tendências, a pressão estética conceituada como uma preocupação com a imagem corporal, que faz com que as pessoas se sintam inadequadas com a aparência que possuem, ganha ainda mais força. E essas cobranças são socialmente mais fortes em relação às mulheres, principalmente em relação ao peso.

Expressões como “a pior coisa que pode acontecer com uma mulher é ela ficar gorda”, estão não somente no vocabulário da população brasileira, como também são um credo cultural. Isso está refletido no padrão de beleza do país, no qual a mulher considerada bonita é a que não tem barriga, braços grossos ou canela grandes, mas tem coxas grossas, cintura fina, bunda grande e peitos fartos.

A jornalista Evellyse Moraes, de 21 anos, convive com a busca pelo padrão perfeito desde a infância. Segundo ela, as questões relacionadas ao peso estavam presentes em sua vida desde quando se reconhece enquanto gente, e relembra que foi a criança mais gordinha do meio social em que vivia, e aliado a esse fato, tinha dificuldade em encontrar roupas que  servissem.


A jornalista Evellyse relembra as dificuldades com o sobrepeso


“Quando eu fui identificando que eu não conseguia usar as roupas que as minhas amigas estavam usando, que eu não conseguia fazer algumas coisas por conta do peso, foi aí que foi se tornando um problema para mim”.

Já para Marcos Nogueira - nome fictício pois o mesmo solicitou para não ter sua identidade exposta - estudante da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que se identifica como homem e enfrenta a insatisfação corporal, a pressão estética em relação ao masculino é uma expectativa social de como os homens devem se parecer. “A sociedade acha mais bonito um homem que tem certo tipo de padrão ou corpo, mas eu não acho que seja uma pressão, sabe?”.

 Para ele, a relação que estabeleceu com o corpo é algo que não o atrapalha no dia-a-dia, apesar de se sentir mal. Encara a perda de peso apenas como um objetivo corporal a ser atingido, mais do que uma pressão de ter que emagrecer. Ainda segundo o estudante, a mídia e as redes sociais têm um impacto na percepção do corpo ideal.

 “Eu lido com o impacto disso em mim. Acho que diria que uma meta a ser batida, seria legal se eu tivesse um corpo desse jeito. Não que isso influencie na minha vida, mas eu vejo mais como um objetivo.”

Nesse sentido, é necessário apontar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a obesidade como uma doença crônica, além da questão estética, que afeta a qualidade de vida e que acompanha o portador. Dados da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2023 apontam que no país, entre a população adulta, uma pessoa a cada quatro tem a doença.

 

Ainda segundo a pesquisa da Vigitel, o percentual de homens obesos em Campo Grande, em 2023, chegava a 27,9%. Para essas pessoas, o Brasil possui alguns medicamentos para tratar a obesidade como: Sibutramina, Orlistat, Cloridrato de lorcasserina e Liraglutida. 


Influência faz com que pessoas mais vulneráveis recorram ao uso de medicamentos


A psicóloga especializada em terapia cognitivo comportamental, transtornos alimentares e obesidade, Patricia Francisca Vieira, aponta que são diversas as motivações que levam alguém a recorrer aos medicamentos. Entre elas, a obesidade, distúrbio de imagem corporal ou transtorno dismórfico corporal, além da necessidade de melhorar a autoestima e a autoconfiança.

Ela ressalta que a exposição constante aos corpos magros nas mídias sociais e na publicidade incentivam a busca irracional pelo corpo perfeito, não importa o que seja preciso fazer, acentuando os sentimentos de tristeza, inadequação e não pertencimento.

Devido a esse culto pela magreza, ela explica que ainda existem pessoas que se sentem isoladas, feias, e desenvolvem depressão ou um complexo de inferioridade e encontram maneiras de lidar com essas emoções que podem ser preocupantes. A psicóloga cita que algumas dessas atitudes podem ser: “Tomar remédios sem orientação médica prejudicando outras funções, o uso desenfreado de diuréticos, jejuns prolongados, induzir vômitos ou ficar horas em uma academia, se submeter a diversos procedimentos cirúrgicos”.

As vivências de Evellyse, que acarretaram em dificuldades emocionais, a levaram a tomar decisões extremas. A jornalista relata que ficava com vergonha de sair de casa, pois não tinha uma roupa que considerasse adequada. A primeira situação marcante de sua trajetória contra seu corpo, foi aos quinze anos. Ela conta que sempre sonhou com uma festa de debutante, e quando começou a experimentar vestidos para o esperado dia, se desesperou por não achar quase nenhum modelo em seu tamanho.

“Tiveram dias que eu passei muito mal, de não conseguir conversar com as pessoas, porque eu não tinha comido nada o dia inteiro. Mas persistia, porque queria estar bonita na minha festa, e achava que esse era o caminho”.

Segundo Evellyse, na época, ela não entendia a gravidade dessas situações, e ainda aos 17 anos, “seguia com dietas malucas, como a dieta do ovo, do chá. Sempre muito radical, eu tirava tudo: açúcar, carboidrato, achando que ia adiantar, que em uma semana eu ia perder 20 quilos”.

Sâmella explica que a restrição alimentar quando não acompanhada por um profissional da saúde pode trazer malefícios, e a diferencia da reeducação alimentar


“Na reeducação, trabalhamos os hábitos alimentares, a mudança da mentalidade, inclusão e adaptação de novos alimentos, e dentro disso entra a restrição, mas de maneira saudável e sem que o paciente se sinta mal ao fazer”.

Para a jornalista, foi aos vinte anos de idade que a situação se agravou, pois o ganho de peso aumentou. “Agora eu percebo que eu sempre me via maior, usava roupas maiores para esconder, usava muito preto, e também tenho poucas fotos de corpo inteiro”.

A busca pelo corpo socialmente aceitável a levou a usar medicamentos para emagrecer. Ela relata que no ano passado começou a usar por conta de uma influenciadora de Campo Grande, que divulgava o medicamento junto ao depoimento que teria perdido 30 quilos com o uso. “Falei: é justamente isso que eu preciso. Investi, tirei dinheiro de onde eu não tinha, porque era um remédio caro”. Porém, ao usar o medicamento, ela não obteve nenhuma mudança corporal.

Em 2016, a Anvisa denunciou mais de mil anúncios irregulares em sites de compras, com promessas de emagrecimento fácil, tratamento dermatológico irregular e comercial ilegal de medicamentos. A agência ainda alerta sobre propagandas de produtos com promessas milagrosas, veiculadas na internet.

A psicóloga reforça que o uso de remédios deve ser feito com acompanhamento e orientação médica e para que seja um auxílio no processo de mudança de estilo de vida.

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