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Salaam aleikum, Campo Grande

Em meio a um Brasil dividido politicamente, num ambiente onde a fé cristã é dominante. Como vivem e quais são os desafios da comunidade islâmica da capital?


Breno Kaoru Tanaka Pereira e Theoangelo Miguel da Cruz Pacolla.


Em sua loja, localizada na região das Moreninhas, são realizadas cinco orações ao dia: ao nascer do sol, ao meio dia, durante a tarde, ao pôr do sol e por último, durante a noite, em direção à Meca. Essa é a rotina de Ismail Ahmad Abdelrahman, muçulmano residente na cidade de Campo Grande, e de muitos outros fieis do islã. O Islamismo é uma religião construída em volta de cincos pilares: a crença em um único deus absoluto, Alá e seu profeta Maomé; Oração cinco vezes ao dia; Jejum durante o ramadã; Caridade e Peregrinação à Meca.

De acordo com um estudo realizado pelo centro de pesquisa norte americano Pew Research Center em 2017, estima-se que mais de 1,8 bilhão de pessoas sejam adeptas ao islamismo, sendo assim a religião que mais cresce no mundo. No Brasil, ainda não foi divulgado o resultado de religião do censo de 2023 do IBGE, mas conforme os dados do censo de 2009, existem cerca de 35 mil muçulmanos no país. Número muito diferente do divulgado pela Federação das Associações Muçulmanas no Brasil (Fambras): entre 800 mil a 1,5 milhão de muçulmanos no país. Em Campo Grande, a comunidade islâmica é composta principalmente por imigrantes libaneses e turcos, mas seu número ainda é pequeno, não chegando na casa do milhar. De acordo com o IBGE, existem 273 muçulmanos na cidade.

Num início de tarde dezenas de fiéis se encontram. Ao se verem, fazem a saudação arabe “salam aleikum”, que é prontamente respondida com “aleikum salam”, em português “que a paz de Deus esteja contigo” e “que a paz de Deus esteja sobre vós” respectivamente. Todos, então, tiram seus calçados e entram no salão. Às 13h em ponto a oração começa, primeiro com o sheik falando em árabe, depois com um tradutor para aqueles que não entendem a língua. Por fim, os fiéis se ajoelham e tocam o chão com a cabeça, fazendo a Sajdah Al Shukr, a prostração de gratidão. Isso é cotidiano na mesquita Luz de Fé, na Av. América, a única mesquita da capital.

Entrada da mesquita Luz e Fé na Avenida América. (Foto: Breno Kaoru)


O embrião foi formado em 1973 com a formação da Sociedade Islâmica de Campo Grande, mas a mesquita somente foi construída em 1988. “Fazemos nossas orações 5 vezes ao dia na mesquita. Todos os dias às 19h30 estamos reunidos para fazer a oração e as lições. Aos domingos das 17h às 19h30 tem encontro para mulheres e homens individualmente”, conta Mohamed Ali, voluntário da mesquita.

Imigrante árabe e comerciante Ismail Ahmad Abdel Rahman, casado com uma mulher católica, com quem tem dois filhos, comenta sobre sua fé e seus costumes. Praticando os cincos pilares do islã, incluindo suas cincos orações ao dia: salat fajr; salat duhur; salat asr; salat maghrib e salat isha. Ismail conta que costumava fazer suas orações na mesquita Luz da Fé, mas devido ao seu estabelecimento, passou a fazer em sua loja de presentes, que leva o nome de sua esposa, Kelly.

Embora de religiões diferentes, o casal vive em harmonia em sua casa, e cuidam juntos de sua loja, até mesmo realizando e celebrando os eventos religiosos. “Eu tenho dois filhos, e a Kelly é católica, eu respeito a religião dela e ela respeita a minha. No ramadã, eu faço jejum, e meu filho acompanha, não forço, ele tem o livre arbítrio, se ele quiser fazer, faz. Mas é total respeito, cada um respeita a outra religião”, diz o comerciante.

O VÉU QUE MOSTRA O PRECONCEITO


Muitas vezes a religião é associada de forma preconceituosa a terroristas. Depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos da América, o preconceito contra pessoas muçulmanas, a islamofobia, cresceu no mundo.

Ismail conta que nunca sofreu preconceito diretamente, porém fala que conhece mulheres que sofreram preconceito, por conta do hijab, o lenço que cobre a cabeça. Mulheres como Dalal Lafander, libanesa, residente no Brasil há 18 anos. “Às vezes, vem alguém que fala assim, que eu estou escondendo uma bomba aqui no cabelo, mas na verdade, a gente não esconde nada, a gente é da religião de paz”, afirma a libanesa sobre o preconceito sofrido.

No Brasil, segundo relatório de 2022 do Grupo de Antropologia em Contexto Islâmicos (Gracias) da USP, 55% dos muçulmanos entrevistados afirmam já terem sofrido preconceito pela sua fé. O número aumenta quando se trata das mulheres, onde 72% já sofreram violência verbal na rua, isso se deve a fácil identificação da mulher muçulmana pelo uso do hijab, um véu. “Quando a gente vê uma freira dentro de uma igreja, ela usa lenço, ela sai com lenço. Só que eles não falam, tipo, essa freira é um terrorista, essa freira eles não julgam”, compara Dalal sobre as percepções no uso de vestimentas religiosas.


TRADIÇÃO, FÉ E LIBERDADE


Quando se fala em religião, é quase impossível não enxergá-las como conservadoras. Daniel Miranda, professor do curso de ciências sociais da UFMS, explica que para um líder religioso, é fundamental que exista uma regulação dos costumes de seus seguidores, a fim de que eles obedeçam o que está escrito no livro sagrado.

É justamente esse conservadorismo que faz com que o islamismo, que já é malvisto pela extrema direita cristã, seja condenado também pela extrema esquerda progressista, que enxerga a crença como opressora. Porém esse conservadorismo nos valores não impede o muçulmano de ter ideais de esquerda ou de direita em outros eixos. “No eixo econômico, a distinção, entre ser progressista ou conservador, quase sempre remete ao grau de intervenção do estado na economia. Ser progressista é a favor de mais estado, ser conservador é a favor de menos estado”, explica o professor.

Daniel Miranda ainda lembra que a postura mais extremistas de alguns países islâmicos não são relacionados à religião, mas sim devido às suas posições no campo das relações internacionais. “Assume essa postura defensiva não necessariamente porque o islamismo em si é a favor da guerra mais do que o cristianismo, mas é porque no campo321 das relações internacionais eles são colocados numa posição defensiva”.

Ismail acredita que os costumes islâmicos estão passando por uma reinterpretação. “Mudou bastante, antigamente, acho que era mais rígida. Hoje, pela internet, as pessoas estão olhando que não é radical, é bem tranquila a religião”, fala o comerciante.

Dalal acha que seguir a religião não tira sua liberdade de fazer outras coisas. “Ele não tira também a minha liberdade, eu trabalhei aqui no Brasil. Faz 18 anos que eu moro aqui, eu trabalhei, eu saio lá fora, eu dirijo, eu faço tudo que eu quero. Então, ele não tira a liberdade nenhuma da gente”, disserta a libanesa.


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