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Termômetro Agrícola

Principal setor da economia do Mato Grosso do Sul é impactado por altas temperaturas e exige adaptações às mudanças climáticas


Gustavo Henn e José Nivaldo


Durante os meses de setembro e outubro de 2023, Mato Grosso do Sul atingiu temperaturas extremas que resultaram tanto numa perda da qualidade de vida das pessoas quanto numa perda material para os produtores do estado. Segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), 2023 teve o mês de setembro mais quente dos últimos 80 anos, o que afetou diversas condições de vida pelo mundo todo, principalmente por conta do fenômeno do aquecimento global, agravado pela emissão de gases do efeito estufa. O agronegócio, um dos principais setores da economia no estado, foi afetado diretamente em sua produção e renda, com prejuízos na produção vegetal e animal que podem se estender para a qualidade dos produtos comercializados. Essa onda de calor compromete, portanto, não somente aqueles diretamente envolvidos no processo produtivo, mas também a população consumidora dos produtos dessa origem.

O prejuízo observado no estado, no sentido econômico, é de grande destaque, uma vez que a economia de exportação de Mato Grosso do Sul é extremamente dependente do agronegócio, sendo 95% dela baseada nesse setor, segundo dados da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul). De acordo com a federação, a agropecuária sul-mato-grossense foi grandemente afetada no âmbito financeiro pelas altas temperaturas recentes, o que prejudicou alguns produtores que precisaram refazer o plantio de suas culturas por terem perdido muitos de seus investimentos.

Roberto Ferreira, agricultor de pequeno porte, relata sua experiência nesses últimos dias com as altas temperaturas. “Nós tivemos grande prejuízo nesses últimos meses, esse calor intenso e o mormaço fizeram com que algumas plantas morressem, algumas outras queimaram”, conta. Ele afirma que não contava com temperaturas tão altas como as que foram registradas e que não estava preparado, por isso teve grande perda. “Foi algo que nos surpreendeu. Perdemos bastante, ficamos sem conseguir plantar e vender alface, por exemplo”, explica. Ferreira, que trabalha no ramo desde fevereiro deste ano, irá tomar medidas para evitar que esse tipo de situação se repita, como o replantio da horta e a criação de uma estufa, para que possa receber melhor o calor e a luz solar. “Na hidroponia, por exemplo, os tubos esquentam muito e a água que era para diminuir a temperatura já chega quente, então fica difícil. Vamos nos adequar, colocar uma sombrite para que a gente possa voltar a plantar e vender como antes", completa.



Horta cultivada por Roberto Ferreira, utilizada para comércio. (Foto: Gustavo Henn)


A produção animal


Além da dificuldade no plantio e cultivo de diversos vegetais, os animais também são vítimas das temperaturas extremas. É o que conta o zootecnista Vinnicius Moroskoski, que explica os desafios enfrentados pelos donos de produção no cuidado de seus animais. “No caso da produção animal, todos os animais vão reagir de uma maneira ruim à onda de calor. Ela vem prejudicando principalmente os suínos, que têm uma certa dificuldade para se manter na temperatura ideal devido à falta de glândulas sudoríparas e não secretam suor como outros animais, tanto é que em produções maiores os animais são criados em ambientes totalmente climatizados”, explica. O zootecnista afirma que a temperatura, atualmente, é um dos principais fatores considerados na produção animal, e que os produtores tentam amenizar ao máximo o estresse térmico dos animais, tanto para o frio quanto para o calor. Ele recomenda que se tenha alguns cuidados específicos nesse tipo de situação, como fazer o manejo dos bovinos em horários de menor temperatura, manter um sombreamento no ambiente, possibilitar a passagem de vento e disponibilizar água fresca para o consumo.

Moroskoski também atenta para a preocupação com a qualidade dos produtos de origem animal durante dias de alta temperatura, que são afetados desde sua produção até sua conservação. Durante o calor, os animais aumentam o seu nível de estresse e por isso passam a se alimentar menos, comprometendo a qualidade do produto que irão fornecer e diminuindo a sua concentração de proteínas. Ele alerta para como as altas temperaturas são propícias para o desenvolvimento de microrganismos nos alimentos, como alguns fungos e bactérias que só se reproduzem quando situados em ambientes acima dos 39°C e, portanto, precisam ser conservados de maneira adequada para não serem nocivos para a saúde dos consumidores. “Existem proteínas que às vezes sofrem uma desnaturação e perdem qualidade, alguns minerais fotossensíveis, vitaminas que poderiam ser benéficas para o ser humano perdem sua disponibilidade, e podem sim comprometer a saúde nesses casos que envolvem os microrganismos”, explica o zootecnista.



Produtos de origem vegetal comercializados no estabelecimento de Roberto Ferreira. (Foto: Gustavo Henn)


Além disso, a população que consome os produtos de origem animal também pode ser prejudicada financeiramente, devido à necessidade de replantio e a perda de lotes de produção, que acarretam a acentuação da escassez dos produtos e, consequentemente, o aumento dos preços. É de importante destaque, também, a preocupação em relação aos próximos meses, que podem ter temperaturas ainda maiores por causa do fenômeno do El Niño, que tem previsão de persistir até o primeiro semestre de 2024. Como alertado por Roberto Ferreira, é imprescindível que os produtores já preparem medidas para lidar com as mudanças climáticas, em busca de se precaver e atenuar os danos sofridos por essa eventual circunstância.


Vítima ou culpado?


Entretanto, o agronegócio pode ser a própria origem de seu problema. O projeto Mapbiomas, que envolve ONGs, universidades e empresas de tecnologia, após pesquisas, constatou que a agropecuária foi responsável por 90% de toda a área desmatada do Brasil. Os pesquisadores afirmam que essas ondas de calor extremas não são normais, vêm de um constante descaso com a preservação ambiental e com as consequências que isso poderia gerar, e que agora podem ser observadas com mais clareza. Atividades do agronegócio como o manejo de animais, uso de maquinário e transporte, e uso inadequado de fertilizantes são exemplos de agravantes da emissão de gases do efeito estufa.

Apesar dos males causados ao meio ambiente, o setor também possui um papel fundamental para obter o resultado contrário. Ao promover mudanças no modo de produção, ele se torna responsável por combater o aquecimento global através de métodos mais sustentáveis para isso — ainda que eles recebam pouca visibilidade e relevância —, e algumas práticas já estão sendo aplicadas para diminuir os danos do processo produtivo, como a utilização de energias renováveis, manejo do solo e dos animais correto e o reflorestamento das áreas desmatadas. A gestão de recursos naturais e a crescente das tecnologias também podem auxiliar no desenvolvimento de um agronegócio menos agressivo ao meio ambiente e mais benéfico para todo o planeta.


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1 Comment


Mariana Nascimento
Mariana Nascimento
Nov 13, 2023

Ótima reportagem!!!

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