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Toda dor não compartilhada dói mais

Atualizado: 31 de mai. de 2023

Pedro Vieira, Emilly Nunes, Eliel Dias e Emanuelly Lobo Vieira




Foto: Pixabay


Sábado, dia 30 de abril, o relógio marcava 14h. Em uma sala de aula quase vazia, algumas pessoas estão sentadas em silêncio. Um ambiente onde o silêncio gritava mais que qualquer outro barulho. Como uma prece, só que sem divindade ou religião direcionada, apenas a busca pela sensação de paz, o respeito à dor e o sentimento de pesar.

É assim que se inicia a cerimônia de abertura do projeto de extensão do Núcleo de Estudo, Pesquisa, Assistência, Extensão e Apoio a Perdas (Nepal) do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap – UFMS/Ebserh), com uma “oração de solenidade”. O projeto foi fundado pelo professor, psicólogo e capelão Edilson Reis há aproximadamente um ano, com o intuito de dar apoio e contribuir para um melhor entendimento do processo de perda. Gratuito, ele é aberto a toda comunidade e acontece todos os sábados das 14h às 17h da tarde. De acordo com Reis, antes, no Mato Grosso do Sul (MS) não existia algum grupo que prestasse apoio e assistência às pessoas no processo de luto, com isso se enxergou a necessidade da criação de um projeto que oferecesse esse serviço de acolhimento. “Nós criamos esse núcleo no sentido de acolher pessoas passando pelo luto, transformado em dor e sofrimento. E é nesse espaço que eles podem aliviar essa dor”.

O luto

O conceito de luto não está associado apenas à morte, pode ser representado de várias maneiras, pois a dor sentida é a perda de algo significativo. A psicóloga Vera Alexandra Barbosa Ramos, em seu artigo de 2016, “O Processo de Luto”, aborda várias definições do que é esse sentimento de perda: “(...) o luto reflete a frustração de uma necessidade básica de vinculação, que é manter a proximidade com uma figura significativa, bem como o romper de um significado de segurança na vida”.

Quando acontece a perda de algo importante, o indivíduo passa por um processo de ressignificação de memórias afetivas; basicamente, as memórias positivas passam a ser associadas à sensação de ausência. “O luto é um sentimento amargo para alguns e traz lembranças de perda. Ele tem vários significados porque depende de pessoa para pessoa”, conta Reis.

Algo tão simples como um café da tarde pode se tornar um gatilho para uma dor profunda.

15h50. Joana — como chamaremos essa personagem para preservar sua identidade — compartilhou sua dor:

— Eu tinha um ritual com a minha mãe. Como eu morava perto dela, sempre tinha a hora do cafezinho da tarde — desabafou, com os olhos marejados ao lembrar da mãe — Depois que ela se foi, a hora do café acabou — as lágrimas que tanto segurou caíram em um rio de emoção.


Foto: Eliel Dias


O luto em diferentes culturas

Muitos se perguntam o sentido da vida, mas poucos falam no sentido da morte. Culturalmente, ela tem diferentes ângulos. No Brasil, o luto é visto como um momento de dor, porém existem variações para essa forma de vê-lo, até mesmo dentro do nosso país: "o Brasil é uma sociedade mista, composta por diversas culturas então encontramos variações aqui também apesar da preponderância do luto como um momento de dor" conta o professor Carlos Eduardo Campos.

Nas sociedades asiáticas existe o costume dos entes usarem branco para simbolizar o momento como leveza e paz para a pessoa que está fazendo a passagem. No México, a morte é um momento festivo, sendo celebrada no dia de Los muertos, quando parentes prestam homenagens aos espíritos que desencarnaram — a festa é uma herança histórica dos povos originários da região, e tem como objetivo expressar publicamente homenagens aos que se foram.


Dentro da mente

Segundo a psicóloga Andreia Bellé, “o luto não precisa ser um lembrete de morte e nem se vestir de morte.” Para ela, a vida é apenas um meio entre o nascer e o morrer, o que vem depois do fim é desconhecido e o ser humano teme o que não sabe. Esses estigmas transformam o luto e a morte em assuntos cheios de tabus a serem discutidos.

O luto não tem hora para acontecer, pode ocorrer em momentos, tanto esperados quanto inesperados. Ele é uma situação que qualquer um pode passar em algum momento da vida. “O luto não tem prazo pra existir. Na verdade, ele vai conviver com a gente pelo resto da vida. Não nos livramos dele, mas conseguimos trabalhar para dar um ressignificado para ele”. Bellé diz ainda que o luto ocorre devido o indivíduo colocar muita emoção e sentimento de afeição, o que intensifica a ausência, tanto pela perda do objeto quanto pela grande carga emocional depositada. “O luto só existe porque existe amor”. O Nepal oferece no projeto a oportunidade de fala, um espaço onde as pessoas podem falar suas dores sem serem julgadas, o que dá a elas força e visão de que não estão sozinhas.

De acordo com o fundador do projeto, ao verbalizar o que sente as pessoas aliviam a sensação de culpa e pesar, e conseguem enxergar no grupo um lugar para dividir sua perda, juntamente com pessoas na mesma situação.


O mensageiro da morte

Não são boas novas, notícia de alta ou melhora clínica. Para o falecido, o fim, mas para quem fica é a personificação da morte em vida, o médico traz a público a notícia do óbito. Assim como na sequência da animação “O Gato de Botas 2: o último desejo”, lançada no começo de 2023, para quem recebe a notícia, o porta-voz é a figura do lobo, o presságio da morte, algo que causou medo até mesmo no destemido Gato de Botas.

O ponto de vista de quem dá a notícia não é tão diferente de quem a recebe. Médicos, no caso de pacientes que faleceram sob seus cuidados, e delegados, nos casos de homicídio e acidentes de trânsito – com exceção de casos em que não é possível coletar dados no local onde aconteceu o óbito – nessa situação quem informa a morte é a perícia.

“A família é preparada a todo momento”, relata o enfermeiro cardio-intensivista Mateus Lima, que trabalha na unidade de tratamento intensivo (UTI), do hospital Santa Casa. “Você chega lá e chama a família pra conversar, relembra toda a história pro familiar, e a última palavra é: infelizmente a gente fez o máximo que podia.” Lima comenta o protocolo SPIKES, que é uma forma de preparar o médico antes de dar más notícias para o paciente, usado mais em pacientes com câncer. “Ninguém espera que um ente querido vá a óbito. Claro, vai chorar, vai ficar desesperado, inconsolado, mas infelizmente acontece”.


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