Dança, música, séries, filmes, a culinária e produtos de cuidados com a pele se tornaram tendência mundial no que chamado de k-wave (onda coreana)
Rafaela Palieraqui
Inclusão, diversidade e representação da cultura oriental são algumas das características que definem o movimento coreano (ou K-Wave) em Mato Grosso do Sul. Nos últimos anos, o número de eventos e produtos relacionados a essa cultura cresceu significativamente no estado, desde pequenos encontros até festivais.
Dentro e fora desses eventos, a música, a dança, os filmes, as séries e até mesmo a culinária se tornaram paixão entre crianças, jovens, adultos e até idosos. Em Campo Grande, os grupos de K-cover têm se multiplicado e, inclusive, conquistado prêmios.
Um exemplo é Maria Fernanda Martins, de 25 anos, integrante do grupo M.I.A, que compartilha sua história e seu carinho pela cultura coreana. Sua paixão é recente e iniciou-se em 2020, quando a produtora editorial conheceu o K-Pop através da música “POP/STARS”, do grupo fictício K/DA, criado para o jogo League of Legends.
“Eu e minha amiga começamos a fazer aulas de K-Pop no início de 2024 porque gostávamos do ritmo e das coreografias. Acabamos fazendo amizade com o pessoal da turma e fundamos o M.I.A para apresentar coreografias dos nossos grupos favoritos e participar desse meio. Nos eventos, percebi que existem diversos grupos talentosíssimos em Campo Grande, como o Starlit, Enigma, Winter, YP e New, todos com performances de altíssimo nível”, conta Maria Fernanda.
Outra dançarina de destaque é Amanda Nara, de 28 anos, líder do grupo Enigma Missamores. Com 15 anos de experiência, ela fundou o grupo em 2024. Sem rivalidades, os integrantes interagem e fazem parcerias com outros coletivos, como o Selene, além de participarem de competições e conquistarem prêmios. O grupo também teve projetos aprovados em dois editais: o Rolê do Bueiro, da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur), e o Festival do Sobá.
“Já ganhamos cinco prêmios como grupo: primeiro lugar no solo do K-Pop Weekend, terceiro lugar solo no K-Pop Weekend, terceiro lugar no Festival do Japão, terceiro lugar no trio do K-Pop Weekend e primeiro lugar no duo do K-Pop Weekend”, descreve Amanda.
Importância para a cultura local
No cenário regional, a cultura sul-coreana tem impulsionado o turismo e a economia. Além disso, os eventos proporcionam um ambiente de interação entre os jovens, fortalecendo a comunidade.
“Por ter me inserido recentemente nesse meio, percebo o grande potencial desse movimento. Recentemente, um evento no Bosque dos Ipês, o K-Pop Day, reuniu uma quantidade impressionante de pessoas, mesmo sendo um shopping afastado do centro. Muitas vezes, a comunidade K-Pop é vista com desdém, principalmente por estar associada a um gosto predominantemente feminino e adolescente. Historicamente, as preferências desse público são subjugadas, possivelmente por machismo. Assim, há uma certa resistência em enxergar o K-Pop e os grupos de K-cover como expressões culturais legítimas, ainda mais por desafiar estereótipos tradicionais”, explica Maria Fernanda.
Tanto Maria Fernanda quanto Amanda explicam a importância de incentivar esses eventos, especialmente diante da resistência do público a produtos midiáticos coreanos.
“É um enriquecimento cultural imenso. Vejo que esses eventos também atraem turismo local, com pessoas do interior do estado vindo para participar. Além disso, movimentam a cena geek, que antes era predominantemente masculina e focada em animes. Agora, a dança é reconhecida como arte e também como um benefício para a saúde mental e física”, complementa Amanda.
Além da dança
O K-Wave não se resume apenas à dança e à música. Séries (k-dramas), filmes, culinária e rotinas de skincare coreanas estão cada vez mais em alta entre os brasileiros que apreciam os costumes e tradições do país asiático.
Na internet, milhares de pessoas buscam dicas sobre cuidados com a pele, e influenciadores digitais têm gravado conteúdos em clínicas de estética coreanas. A inspiração vem, principalmente, de atores e modelos locais.
“Ultimamente, tenho pesquisado muito sobre produtos coreanos para a pele. Eles têm um cuidado intenso com a própria pele e incentivam o uso contínuo de protetor solar desde a infância. Por influência disso, intensifiquei o uso de protetor solar na minha rotina”, relata Ayanne Gladstone, jornalista de 25 anos.
A culinária também está ganhando espaço no Brasil. A busca por produtos alimentícios asiáticos aumentou, e lojas especializadas em biscoitos, miojos e refrigerantes estão se tornando atrações para o público. Um dos estabelecimentos mais famosos é atualmente a rede de conveniência coreana “CU”, recentemente inaugurada em São Paulo.
Mesmo com a popularização de produtos industrializados, a comida caseira coreana também tem sido muito apreciada. “A gastronomia coreana é farta e recheada de significado. Eles demonstram gratidão pela comida durante as refeições, o que eu admiro muito. Recentemente, experimentei soju, uma bebida alcoólica muito presente nos k-dramas. Sempre achei fascinante como eles compartilham o soju entre amigos e familiares. Eu provei com minha irmã, acompanhando lámen e salgadinhos de churrasco, e foi uma experiência super especial”, relembra Ayanne.
Quebrando o ocidentalismo nas produções audiovisuais
No cenário local, a nova geração está cada vez mais engajada no universo musical e cinematográfico, explorando e debatendo diferentes formas de conteúdo ficcional. O sucesso de “Parasita” no Oscar de 2020 ajudou a impulsionar o interesse global pelo cinema coreano, levando mais pessoas a descobrirem a diversidade e qualidade dessas produções.
No cenário musical, o K-Pop também rompeu barreiras, como, por exemplo, grupos como BTS conquistando o topo das paradas norte-americanas e alcançando um público que antes não tinha o hábito de consumir música coreana. Esse impacto cultural se reflete no dia a dia: é comum ver pessoas assistindo doramas em transportes públicos, usando camisetas e acessórios de seus grupos favoritos e ouvindo música em rádios que antes priorizavam o pop ocidental. O K-Wave que antes era um nicho, agora faz parte da rotina de muitos brasileiros, se tornando ainda um fenômeno global.

“Não tem como falar da importância da cultura sul-coreana sem relacionar à inclusão e diversidade. Porque a partir do momento que desviamos os olhos do padrão de arte branco e norte-americano ou europeu, e prestamos atenção numa arte feita por pessoas amarelas, que são marginalizadas e sofrem racismo e xenofobia até os dias de hoje por conta do seu fenótipo e da sua própria cultura, nós nos tornamos mais abertos, evoluídos e empáticos também. Consumir cultura coreana é também fazer com que essas pessoas asiáticas sejam vistas e ouvidas e que o trabalho delas ganhe força ao redor do mundo”, finaliza a jornalista.
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