Lanna Emi Yamazaki
O vento gelado tenta me esfriar, fazendo com que minhas extremidades percam calor mais rápido. As noites de junho têm sido frias por aqui, vantagem para mim, que tenho recebido mais visitas desde então. Campo-grandenses e turistas vêm aos montes me encontrar para provar um pouco da cultura que represento.
Minha cultura encanta a muitos na cidade, mas vim de terras distantes. Sou fruto de habilidosas mãos okinawanas, mas resultado da miscigenação de descendentes que buscaram um novo lar no Brasil. No início do século XX, embarquei em uma longa viagem que atravessou oceanos e fronteiras culturais. Quando cheguei a Campo Grande, somente era visitada por japoneses, eles me encontravam por de trás de uma cortina, tinham vergonha de mim, de me encontrar. Aos poucos, conquistei os campo-grandenses, e hoje, todos aqui me conhecem e gostam de mim.
Caso não tenha percebido… Olá! Eu sou o sobá. Fui concebido em Okinawa, um arquipélago exuberante, com muitas praias paradisíacas e paisagens deslumbrantes, situado no extremo sul do Japão, por volta dos anos 1540. Meu nome se originou do tipo de macarrão que compõe a receita original. Com trigo-sarraceno, de coloração escura, meu preparo era um pouco diferente do que costumamos comer hoje. No meu berço, Okinawa, eu era servido em datas especiais, celebrações religiosas e ocasiões familiares. Eu era um prato que celebrava a união e a tradição.
Por meados de 1950, vim para o Brasil, onde conheci Eiho Tomoyose, um homem afável e prestativo. Nos conhecemos em São Paulo, onde ele era correspondente de um jornal. De pronto ele se apaixonou por mim e me trouxe para Campo Grande, para seu bar, que era frequentado pelos descendentes okinawanos, na Rua Antônio Maria Coelho. Foi somente uma década depois que me levaram para a Feira Central, mas no início somente os funcionários me queriam.
Com o tempo, os moradores da cidade ficaram curiosos e começaram a me desejar também. Foi assim que comecei a ganhar o gosto de quem frequentava a conhecida feirona. Desde minha origem nas distantes ilhas de Okinawa, no Japão, até me tornar um verdadeiro patrimônio cultural em Campo Grande, carrego uma história rica e saborosa. Tenho raízes profundamente entrelaçadas com a imigração japonesa para o Brasil.
Modéstia à parte, sou uma verdadeira sinfonia de sabores e texturas, coroado com pedaços suculentos de carne de porco, cebolinha fresca e omelete. E, se desejar, você pode adicionar meu amigo gengibre, para ter uma experiência ainda mais completa.
Mas, para conquistar o paladar campo-grandense, precisei me adaptar. Minhas raízes okinawanas foram mescladas com influências brasileiras. Caldo, macarrão e cebolinha já compunham minha versão original, mas me adaptei e transformei as fatias de kamaboko por ovos, e o bacon por lombo de porco. O kamaboko é uma espécie de cozido composto por frutos do mar que se assemelha a um pãozinho.
Em 2006 fui oficialmente reconhecido como tesouro cultural de Campo Grande. Para celebrar essa conquista, foi criado o Festival do Sobá, realizado anualmente em agosto. Esse festival atrai turistas de todo o país e até mesmo do exterior, ávidos por me conhecer. Em 2015, me tornei oficialmente reconhecido como patrimônio cultural imaterial da cidade. Essa honraria ressaltou a minha importância como um símbolo da imigração japonesa e como uma expressão viva da diversidade cultural de Campo Grande.
Atualmente, é possível me encontrar em diversos estabelecimentos na cidade, na Feira Central, em pequenos restaurantes familiares e até em cardápios de renomados restaurantes. Cada porção minha é uma oportunidade de mergulhar em uma história de perseverança, tradição e, é claro, sabores inigualáveis.
Eu sou mais que um prato, sou uma epopeia gastronômica, uma dança de sabores e memórias que nos leva a um passado repleto de coragem e esperança. Sou a celebração da diversidade e da força dos imigrantes que, através da culinária, construíram uma identidade cultural singular em Campo Grande.
Quem ajudou a contar minha história hoje, foi um grande amigo meu, com quem tenho contato diariamente, Juscelino Genhu Shiroma. Dono da barraca Ichiban na Feira Central, que ajudou a me trazer para a cidade.
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