O sentimento de abandono entre idosos abrigados em instituições
Alexandra Cavalcanti, Gabriella Couto, João Pedro Flores e Lauren Netto
Alguns idosos se reúnem do lado de fora do asilo para fumar e conversar. Foto: Alexandra Cavalcanti
Ao longo deste texto, você será convidado a conhecer histórias de vidas inteiras, de pessoas que, devido ao acaso, se encontram no Asilo São João Bosco. Esta não é uma reportagem sobre o asilo em si, mas sim sobre os indivíduos que nele residem, suas experiências e memórias que resistem ao tempo e ao abandono.
Os nomes dos personagens são fictícios para garantir a segurança e a privacidade de todos, mas suas histórias são reais e tocam profundamente nossos sentimentos. A maioria das fotografias não mostra os rostos dos residentes para preservar suas identidades.
A chegada
Chegaram ali sem aviso, recebidos por paredes brancas e luzes frias. As únicas coisas que resistiram ao abandono foram as paixões e algumas histórias. Em outros casos, até mesmo a própria memória fugiu. Largados ao acaso, é como se o tempo deles tivesse acabado, mas ainda lhes restou a vida. E, quando isso acontece, o destino final do abandono tem endereço.
Abrigados no asilo enquanto estão sentados para tomar seu café da manhã, a lembrança de risos passados lhe estremecerem a memória. As antigas janelas empoeiradas por onde viam amanheceres gloriosos, agora estão fechadas à luz do dia. O chão não é mais palco de risos animados e agora carregam apenas o peso do esquecimento.
As visitas são esparsas, e o tempo se estende. A espera se transforma em uma presença constante, enquanto o abandono transcende o físico, penetrando fundo no emocional. Histórias de uma vida inteira permanecem não contadas, aprisionadas em corações que ainda batem, mas que raramente são ouvidos.
Tudo parece impedir que consigam ser eles mesmos. No entanto, ainda que no ambiente mais inóspito, eles se reinventam. Ali, a solidão também ficou no passado.
"Sozinha eu estava lá em casa, aqui eu tenho companhia", conta Madalena, de 70 anos. A jovem senhora cresceu com cinco irmãs e foi a única que resistiu às passagens do tempo. Viúva e sem filhos, Madalena recebe visitas esporádicas apenas da sobrinha, mas ainda assim não se sente sozinha. Antes de ser internada, permanecia todos os dias deitada na cama até às seis da tarde, horário em que sua sobrinha voltava do trabalho.
"Eu ficava lá, deitadinha na cama, esperando. Já aqui eu tenho 'colega', tenho outros, eu converso", relata Madalena.
Além das conversas, um tempo de sua semana também precisa ser religiosamente dedicado à arte. Artesã e pintora no passado, Madalena gosta de visitar a sala de convivência do asilo para pintar desenhos e fazer arranjos. Entusiasmada, ela relata que seus trabalhos já foram muito cobiçados: "Eu fiz curso e aprendi a fazer uns trabalhos lindos, artesanatos. Quando acabava de fazer um, já tinha duas ou três pessoas na fila querendo também", comenta.
Além da paixão pelo artesanato, Madalena também dividiu a vida com outro grande amor: casada durante 30 anos, ela percorreu todos os trilhos da vida com seu marido José Silva, que trabalhava como fiscal da Rede Ferroviária Federal. Com um tom nostálgico, ela lembra das aventuras que viveu ao lado dele.
"Ele era uma pessoa muito boa pra mim, sabe? O tempo que vivi com ele, ele me levou pra viajar muito. Florianópolis, Minas Gerais, esse mundão aí".
Atualmente, Madalena está numa cadeira de rodas. Diabética, ela perdeu uma perna em decorrência da doença. Suas aventuras através dos trilhos do Brasil ficaram para trás junto com as lembranças de seu casamento. Restam agora, histórias que são contadas dia-a-dia para sua amiga Aurora Perez, de 88 anos.
As duas deram entrada no asilo praticamente ao mesmo tempo e, desde então, não se separaram mais. Amigas há um ano, Madalena e Aurora são ligadas por suas histórias e, segundo Aurora, tiveram a mesma criação.
Para estimular a criatividade e espantar o tédio, alguns idosos frequentam a sala de pedagogia para pintar
Aurora Perez, 88
Em um cantinho escuro, afastada das outras idosas, encontramos Aurora, sentada ao lado de Madalena, 70, sua primeira amiga no asilo. Gaúcha, com pele clara, cabelos grisalhos e olhos azuis, Aurora compartilha conosco sua maior saudade: "meu véio".
Ela relembra os tempos passados cuidando dos filhos e da casa. Seu maior hobby era cozinhar, criar novas receitas e se aventurar com suas ideias mirabolantes.
"Minhas filhas sempre me pedem a receita dos pratos que eu fazia antigamente, mas eu não tenho nenhuma. Eu nunca lia ou anotava receitas, fazia tudo na hora, com as ideias que me surgiam".
Agora, Aurora não pode mais cozinhar, e suas deliciosas receitas permanecem apenas na memória, carregadas de afeto e histórias.
Aurora trabalhava no campo com o seu marido, Moisés Corrêa, mas após a primeira de suas três gestações, dedicou-se à vida do lar. Foram 70 anos de casamento, marcados por muito companheirismo e compreensão. "Eu e meu marido quase nunca brigávamos. Ele me respeitava muito, era muito carinhoso. Nunca dormimos de mal, sempre nos acertávamos antes. Eu ouvi o padre dizer uma vez que não podemos dormir brigados, porque não sabemos o que o dia de amanhã nos reserva".
Católica, Aurora frequenta a igreja todo sábado, não importa o que aconteça. Com certa timidez, comenta sobre o dia em que, ao entrar na missa com suas companheiras do asilo, ouviu de uma cuidadora: "Deixem a Aurora sentar na frente, ela é muito religiosa".
"Não é que eu seja muito religiosa, eu só gosto de ir à missa, sentir a presença de Deus. Nós não temos muito o que fazer mais, esses momentos me animam, me distraem", afirma.
Aurora foi criada com uma educação tradicional, valores e princípios a serem seguidos, e transmitiu esses ensinamentos aos seus filhos. Com orgulho, fala sobre cada um deles.
Seu único filho homem, Carlos, mora agora em Campo Grande - MS, distante das duas irmãs, que vivem no interior de Santa Catarina. Aurora se mudou com ele há menos de um ano. Desde então, está no asilo, pois com a rotina corrida, seu filho não tem tempo suficiente para cuidá-la. "Mas ele sempre me visita. Minha nora é um amor, me dá tudo. Sempre dizem que a nora não gosta da sogra, mas com a gente é diferente, ela me mima demais, tenho muita sorte".
Saudosa, Aurora relembra os "bons tempos", sua juventude, antes dos filhos nascerem. "Eu viajava o Brasil todo com o meu marido, fomos para Brasília, Curitiba, até para o Rio de Janeiro. Ele gostava muito de viajar, já eu preferia ficar em casa, na nossa cidade. Mas eu o amava e sempre o acompanhava".
Agora, com filhos, netos e bisnetos, Aurora percorre suas lembranças, dividindo histórias com sua amiga Madalena. Aos finais de semana, recebe a visita de seu filho, neto e nora. Nesses momentos, Aurora se coloca como ouvinte, e, atenta, escuta tudo o que está acontecendo lá fora: como anda a vida, o trabalho e a escola.
"Eu já vivi demais, aproveitei muito. Agora, meus dias são mais calmos, quase todos iguais, fico aqui sentada junto com a Madalena, durmo, converso e jogo bingo. Não tenho do que reclamar, a vida foi muito boa para mim".
Leda Brito Pereira, 80
Em um canto oposto de Aurora e Madalena, reúnem-se cerca de dez idosas para assistir à televisão durante a manhã. No fundo da sala, literalmente na última poltrona do local, está sentada Leda Brito Pereira, de 80 anos, fazendo seu tricô e dando pouca atenção para o programa.
Com calma e cuidado, sem pressa na vida, ela passa a agulha lentamente entre os fios. Está fazendo uma echarpe. O tricô é uma terapia. Há 15 dias, ela perdeu a irmã Lenice. As duas chegaram juntas ao asilo. Foram vistas de mãos dadas em frente aos portões de ferro da instituição. No entanto, foram separadas pelo inesperado destino.
Tricotar tornou-se essencial para ela não pensar na solidão e, consequentemente, na depressão que a assola.
"Éramos dez irmãos, agora só sobrou eu e mais um que mora em Goiás. Sinto que agora estou abandonada. Estou com saudades da minha família e penso em ir morar com esse meu irmão, porque aqui tem muita tristeza. A gente levanta e dá de cara com o sofrimento dessas velhinhas", conta Leda em tom melancólico.
Quando jovem, Leda trabalhava em um comércio, o qual ela ficou durante 28 anos até se aposentar. O sonho de cursar Medicina foi impedido pelo pai fazendeiro, pois falava que filha mulher não podia estudar. O resultado disso foi que Leda chegou até o 2º grau apenas, não concluindo seus estudos.
Leda foi casada três vezes. O primeiro e o segundo duraram cinco anos. O terceiro apenas oito meses. "Não dava certo porque eles bebiam, era um problema. Fui agredida pelo primeiro, os outros só chegavam com raiva em casa. Estou sozinha há 13 anos, mas queria um companheiro legal, que saísse comigo, conversasse e me respeitasse".
A idosa de 80 anos não teve filhos, mesmo tendo passado por seis gestações. Está no asilo há um ano e dois meses. Os únicos que vão visitá-la são os sobrinhos Tiago e Arlete. No local, Leda é uma das poucas que ainda conseguem se comunicar com lucidez. As demais possuem problemas na fala ou não conseguem entender as perguntas e raciocinar.
Corredor principal da ala feminina do Asilo São João Bosco. Foto: Alexandra Cavalcanti
João Sebastião, 80 e Nilson Lucas, 90
João Sebastião, que mora há 10 anos no asilo, passa suas manhãs fumando e conversando com seus amigos. Foto: Alexandra Cavalcanti
Sentado do lado de fora da ala masculina, seu João Sebastião Bandeira fuma seu cigarro e aproveita o frio, acompanhado do amigo Nilson Lucas Pereira. A resenha fica por conta de JSB, como é chamado. Ele conta que chegou no Asilo São João Bosco há 10 anos, após terem o achado no meio do mato, desmaiado depois de ter um surto na cabeça, quando morava sozinho.
Durante sua vida, trabalhou na roça capinando mato e cuidando do gado. Não casou, mas morou junto por seis anos com a mãe da sua filha. A companheira, no entanto, juntou as coisas e foi embora, deixando a menina para seu João.
Essa única filha que teve se casou, então as visitas são menos frequentes. Questionado sobre se sentir abandonado naquele local, a resposta de JSB foi simples e impactante.
"Rapaz, aqui é bom demais, mas nunca é bom igual a casa da gente".
E, seu Nilson é gaúcho de Passo Fundo. Os filhos o deixaram lá, pois não moram mais em Campo Grande. Um mora em Nova Andradina e a outra em Rio Grande do Sul. Meio confuso com seus pensamentos, não conseguiu expressar como se sente no local, mas já está lá há dez anos também. Inclusive, ele ajudou a construir uma parte do asilo, pois era operador de máquinas quando mais jovem.
As visitas ao seu Nilson também são cada vez menos frequentes, já que os filhos não estão em Campo Grande. "Pra vir do Rio Grande do Sul é difícil. Tem uns dois anos que eles não me vêem". Porém, não se deixa abater, já que tem a companhia do seu velho amigo João Sebastião, o JSB.
Os que cuidam
Com lápis, canetinhas e apontadores, os idosos se divertem enquanto pintam e conversam.Foto: Alexandra Cavalcanti
No Asilo São João Bosco, uma pedagoga ilumina a vida dos idosos que ali residem. Elza Alencar se inspira ao contar sobre suas ideias e projetos com os idosos do asilo. Em uma sala toda branca com uma plaquinha azul escrito “pedagogia”, ela recebe seus alunos para pintar, decorar objetos, criar e inventar o que a imaginação alcança naquele momento.
Ela nos mostra a pasta com os desenhos de seus alunos e orgulhosamente apresenta os trabalhos manuais realizados na sala. Decoupage de objetos de mdf, pinturas e desenhos. “A gente tenta não se intrometer muito no que eles estão fazendo, ajuda com uma coisa ou outra, tipo esse papelzinho de colar na caixa é um pouco chatinho, aí a gente ajuda, mas tudo é ideia deles e eles fazem do jeito deles”.
Elza se ilumina contando um pouco das pessoas que conheceu e das atividades que foi capaz de proporcionar para os idosos do asilo. “Amanhã vai ter um evento aqui, a partir das dez horas, eu vou fazer uma comemoração do dia dos avós. Todo ano a gente faz e é bem especial. Dessa vez eu consegui até um churrasquinho pra eles, hoje mesmo vou buscar as carnes”.
Na parede atrás de sua mesa, ela guarda de recordação uma foto com um dos moradores. Ela discorre sobre o senhor com quem fez uma bela amizade. “Ele sempre que me via me cumprimentava. Se eu passasse por ele e não o cumprimentasse, ele ficava esperando, me olhando. Aí nesse dia ele me pediu uma foto, eu tirei a foto, emoldurei e coloquei na cabeceira dele. Dias depois roubaram a foto, ela sumiu e ele veio muito chateado me pedir outra foto”.
Elza nos explica que alguns moradores ainda recebem visita das famílias e aqueles que investem tempo com seus familiares no asilo acabam promovendo momentos de comunhão com aqueles que não recebem visitas.
Além de datas comemorativas, a pedagoga conta que todos os meses ela realiza a celebração dos aniversariantes. “Eu tenho uma equipe de doadores e no início do mês mando mensagem falando quantos aniversariantes são e o que nós precisamos. Eles mandam tudo pra gente e a festa aqui fica uma delícia”.
Ela nos leva pelo pátio onde bandeirolas coloridas ainda permanecem penduradas em zigue-zague. Apesar de molhadas pela chuva, elas ainda trazem cor para o ambiente e relembram os moradores da festa junina que aconteceu há alguns dias.
Quando perguntamos sobre histórias de moradores memoráveis que ela conheceu, ela nos conta uma história de amor que se desenvolveu dentro dos muros do asilo. “Ah, Dirceu e Cleia, eles se apaixonaram. Em uma festa eles sentaram na mesma mesa, começaram a conversar e depois de um tempo pediram desabrigamento e foram viver a vidinha deles fora daqui”.
Ao lado de Elza, Regiane Evangelista compartilha conosco sua experiência como cuidadora no asilo, onde trabalha há sete anos. Ela compara o funcionamento do asilo com uma creche, um conceito que vai contra os estereótipos mais conhecidos a respeito desse tipo de lugar. “Tem gente que trabalha e não tem o que fazer, precisa trabalhar. Aí deixa aqui com a gente e busca a noite, busca final de semana, é que nem uma creche”.
Ela e o time de cuidadoras são responsáveis por todos os cuidados pessoais e básicos das mulheres abrigadas no asilo. A ala é dividida em três zonas, cada uma com 12 pacientes, que são auxiliadas por duplas de cuidadoras.
Os cuidados pessoais na ala feminina englobam desde os mais básicos até os relacionados à vaidade. Cabeleireiras e manicures se voluntariam para ir ao asilo e oferecer os cuidados com a estética das moradoras, além do que as cuidadoras já oferecem. “A gente sempre recebe visitas, vem as meninas e fazem as unhas delas, faz cabelo, faz tudo, mas a gente sempre cuida também porque isso faz parte do cuidado da mulher”. O cuidado com a aparência reforça o sentimento de acolhimento e afasta ainda mais a solidão, promovendo bem-estar e elevando a autoestima das residentes do asilo. A dedicação das voluntárias e cuidadoras vai além das necessidades físicas, tocando também o emocional, e criando laços que fazem toda a diferença na vida dessas idosas.
Do outro lado da solidão
Os idosos do Centro de Convivência do Idoso "Vovó Ziza" praticam exercícios para mobilidade toda manhã. Foto: Alexandra Cavalcanti
Longe das paredes brancas e clima cinza, a dois quilômetros de distância do asilo, encontra-se o Centro de Convivência do Idoso “Vovó Ziza”, enfeitado por bandeirolas de festa junina e preenchido de vida. Com portas totalmente abertas, o centro recebe idosos jovens de espírito, sem distinção entre gêneros e sem cuidadores particulares. É quase como uma escola.
Do lado do pátio principal do local, uma música ecoa de um salão de apresentações. Uma professora de mechas rosas cintilantes está dando aula de dança para um grupo de idosas. Não se queixam da idade, estão dançando, se sentem jovens. São jovens. Comparecem às aulas todas terças e quintas, é um compromisso feito com elas mesmas.
“Um, dois, três, quatro”, diz a professora de dança Alzira Okumoto, de 71 anos, enquanto ajuda o grupo de senhoras a se alongarem. Não sentem o peso da idade aos pés, estão no clima de festa julina e animadas para dançar forró.
Quando perguntadas o porquê de frequentarem o local, dizem que é pela companhia, para aproveitar a vida. “A solidão não cabe no meu dicionário”, exclama Satiko Kussano. Designer Visagista, Satiko tem 77 anos e tem sua rotina semanal organizada: às terças e quintas, comparece ao centro de convivência, nos outros dias, pratica mais atividades em outros locais. Já praticou dança japonesa também, está sempre procurando algo novo.
Histórias como essas parecem comuns dentro do centro. Ali, ninguém se sente sozinho, sempre cercados de amigos e companheiros. Enquanto, para muitos, suas histórias podem parecer parte do passado, no centro, essas narrativas continuam a ser escritas, dia após dia, entrelaçando vidas e memórias.
Lúcia Alencar, educadora física e coordenadora do Centro de Convivência do Idoso "Vovó Ziza". Foto: Alexandra Cavalcanti
Lúcia Alencar é coordenadora do Centro de Convivência do Idoso “Vovó Ziza” há 39 anos e estava presente na inauguração da unidade. Educadora física, Lúcia comenta sobre a importância da atividade para o bem-estar dos idosos. “Aqui é tipo um clube para eles, fazem ginástica, dança, natação. Eles chegam bem tímidos, e com o tempo vão se soltando, fazendo amigos”.
Lúcia observa que a interação social e a prática regular de exercícios têm um impacto significativo na saúde física e mental dos idosos. “A atividade física não só melhora a mobilidade deles, mas também eleva o humor e reduz aquela sensação de isolamento. Vemos transformações incríveis, de pessoas que chegam retraídas e, com o tempo, passam a interagir nas atividades e a incentivar outros participantes”.
Além das atividades físicas, o Centro oferece aulas de forró toda sexta-feira, eventos e viagens para os idosos. A dedicação de Lúcia e sua equipe é evidente na alegria e no entusiasmo dos frequentadores, que consideram o “Vovó Ziza” um refúgio de amizade e vitalidade. A coordenadora acredita que proporcionar essas oportunidades é fundamental para garantir uma qualidade de vida digna e feliz na terceira idade.
Estatuto da Pessoa Idosa
O art. 4º do Estatuto do Idoso determina que: “Nenhuma pessoa idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”.
No artigo 97º do Capítulo dois do mesmo estatuto define-se que aquele que “deixar de prestar assistência à pessoa idosa, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir, nesses casos, o socorro de autoridade pública” pode incorrer à pena de detenção de seis meses a um ano e multa.
Além disso, define-se que “abandonar a pessoa idosa em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado” pode resultar em detenção de seis meses a três anos e multa.
Prover necessidades básicas da pessoa idosa refere-se ao “direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
Segundo o dicionário, abandono é o ato de sair sem a intenção de voltar. Ato ou efeito de largar. Se afastar. Segundo o Instituto Brasileiro de Direito de Família negar amparo de qualquer espécie, seja ele emocional, físico ou moral geram aflição e angústia para a pessoa idosa, o que geralmente acarreta o surgimento ou agravamento de doenças que podem ocasionar fatalidades.
População idosa e abandono cresceram no Brasil nos últimos dois anos
Em 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país chegou a 22.169.101, 10,9% da população, de acordo com o Censo Demográfico. Essa parcela da população representa o maior percentual encontrado na história. Já o percentual de crianças de até 14 anos de idade, que era de 38,2% em 1980, passou a 19,8% em 2022. Isso mostra que o Brasil vive a fase do envelhecimento populacional, ou seja, a redução da população mais jovem e o crescimento da mais velha.
Em 2023, as denúncias de abandono de idosos dobraram em relação ao ano anterior. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, foram registrados 22.636 casos de abandono ano passado contra 11.359 em 2022.
O idoso em situação de abandono pode ter sua saúde mental afetada por diversos motivos. Para reduzir os efeitos depressivos, a psicóloga Vanessa Duarte indica os Centros de Convivência de Idosos (CCI). "Esses locais proporcionam a convivência comunitária e a oportunidade de fortalecer os vínculos afetivos entre os participantes. Quando o idoso não possui autonomia e há a necessidade de cuidados direcionados, a família tem por obrigação oferecer esses cuidados. Quando a família não tem condições e até mesmo não há vínculos afetivos, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) oferece as instituições de longa permanência".
De acordo com Vanessa, os idosos quando saem da convivência comunitária e familiar, indo para instituições, têm uma diminuição em sua expectativa de vida. "Essa convivência é um fator que contribui para a saúde mental da maioria das pessoas. Desta forma, devemos promover ações para que essa convivência ocorra. Quando há ausência da família, novos vínculos afetivos podem ser criados".
A vida continua
No fim, em meio a tantas histórias, o abandono tomou nova face. Não é mais o epílogo, é um novo começo.
Madalena, Aurora, Leda, João e Nilson, entre outros, viram a vida florescer em meio ao concreto. Entre memórias tecidas com fios de saudade e novas amizades que brotam como flores inesperadas, suas jornadas nos lembram que a dignidade e a conexão humana são forças indomáveis. A vida continua.
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