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Viver entre incertezas e esperanças

Famílias em situação de vulnerabilidade lutam diariamente para transformar a realidade  em que vivem


Juliana Ramos, Maria Amorim, Querem Hapuque e Vitória Santos


Programas públicos nem sempre são acessíveis à população vulnerável. Foto: Juliana Ramos


Desistência por falta de caderno, ausência de amparo para diagnosticar e tratar neurodivergências ou acesso limitado às políticas públicas. Essa é a realidade de crianças que moram em bairros periféricos de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Uma série de empecilhos desafia o desenvolvimento pessoal e social desses cidadãos.

“Meu filho está na 5ª série e não sabe contar do 1 ao 10, não sabe o alfabeto e muito menos escrever o nome”, diz Priscila, mãe de três filhos e moradora do bairro São Conrado. Seu filho mais velho, de 13 anos, enfrenta grandes dificuldades na escola devido ao atraso na aprendizagem. Segundo a instituição de ensino, o jovem possui Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), porém, as filas de espera no Sistema Único de Saúde (SUS) tornam o diagnóstico e o tratamento  inacessíveis. Enquanto espera, as consequências do baixo aprendizado afetam a autoestima da mãe e do filho.  “A escola fala que ele não está aprendendo, ele fala ‘mãe eu estou me esforçando’, ‘mãe eu sou burro’, aí eu vou falar o que para o meu filho se não tem nem como mexer? Os papéis tá tudo aqui, falta médico”.

Apesar de não ter o diagnóstico de um especialista, a mãe tem que lidar com as explicações que vêm da escola. “‘Seu filho tem TDAH’, porque em vez de ele escrever certo, ele escreve espelhado, ao contrário, de trás pra frente se você prestar atenção no caderno dele, você não entende nada, mas se você virar o caderno, tá lá escrito”.

Enquanto isso, sua filha do meio, de sete anos, possui alguns sonhos: fazer balé, ser policial e doutora. Para realizar o primeiro, Priscila a colocou nas aulas oferecidas pela escola, porém a realidade não condiz com a proposta, já que as atividades muitas vezes não acontecem. “A escola te dá a possibilidade, só que a professora não aparece, e quando aparece, ela não te informa em tal grupo da escola que ela tá lá. Aí seu filho fica das 13h às 18h na escola sem ter o que fazer”. Quanto à vida profissional, a criança tem consciência  de que, para conquistar a carreira dos sonhos, não basta apenas estudar. Ao ser perguntada sobre o maior desafio para realizar seu sonho, ela responde: “Dinheiro”.

A vida de Priscila é se adaptar ao que a sociedade lhe oferece. No pátio da casa, em um bairro onde tudo falta, um ventilador velho faz as vezes de varal. Materiais acumulados estão por toda a parte, talvez um medo de dispensar o que mais adiante pode fazer falta. O portão também é improvisado - dois pedaços de ferro supostamente deveriam garantir a segurança deles. A rua é de chão batido e não há espaço para as crianças brincarem.

 Crianças enfrentam desafios para ter momentos de lazer. Foto: Juliana Ramos


Sem caderno, sem escola


Fernanda, outra jovem da região, de apenas 12 anos, não gosta da escola,  o motivo é a falta de material que dificulta seu aprendizado. “Quando estou precisando de caderno, eles não arrumam, eu fui pedir porque o meu acabou, eles falaram que, apenas os alunos que chegam no começo do ano recebem”, justifica a estudante recém transferida. Sua irmã, Nicole, de 14 anos, vive o mesmo e percebe a evasão dos colegas. “A gente tem que parar de estudar por conta do caderno e por outros motivos também”. Apesar das dificuldades enfrentadas pelas irmãs, Nicole acredita que é possível mudar a realidade em que vivem e considera a autoestima um fator fundamental para isso. “Muitas pessoas falam que você não vai conseguir, que você não vai ser ninguém na vida, mas você sabe que você vai ser uma pessoa melhor e que vai ajudar muitas pessoas”.

De acordo com a psicóloga  Silvia Otácio, além de questões relacionadas ao aprendizado, as crianças que vivem em situação de vulnerabilidade enfrentam dificuldades no processo de construção da autoestima. Pedro, de 10 anos, percebe os desafios para cuidar da família e de si, como sustentar a casa e pagar as contas. Apesar dos problemas, sua mãe, Marcela, sempre reforça a autoestima do filho. “Ele fala ‘eu sou lindo’, ele tem a autoestima em alta. Eu sempre falo para ele ‘você é incrível, é maravilhoso”.

  O desenvolvimento da criança depende da sua saúde mental construída por meio das suas relações interpessoais e do acesso a itens básicos.  Para Silvia Otácio, há muitas Organizações Não Governamentais (ONGs), principalmente as de denominações religiosas, que auxiliam as  famílias vulneráveis para que as crianças se desenvolvam estimulando através de atividades, brincadeiras e até mesmo refeições. No entanto, como reforça a psicóloga, esse trabalho é uma responsabilidade do serviço público que acaba fornecendo uma quantidade de projetos e assistência muito menor do que a demanda - esses direitos não deveriam depender de aceitar uma determinada religião.

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