As queimadas em 2024 superam recorde e estão destruindo o lar de 65 milhões de animais no Pantanal
Mileny Rodrigues e Rafaela Ribeiro
Um dos tuiuiús presente na foto teve uma de suas asas amputada após ter o ninho queimado. Imagem: Mileny Rodrigues
Não é novidade que as queimadas no Pantanal são uma questão crítica. Até outubro de 2024, o fogo destruiu aproximadamente 900 mil hectares, correspondente a cerca de 6% de toda a área do bioma, casa de inúmeros animais que acabam mortos ou diretamente afetados. O impacto do fogo tem sido devastador para diversas espécies, especialmente aquelas que enfrentam escassez de alimentos e do habitat devido à destruição da vegetação. Onças, araras-azuis, tamanduás e cervos são os mais atingidos, sofrendo queimaduras e perdendo locais de alimentação.
O Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS), localizado em Campo Grande, recebe quase diariamente animais que são vítimas das queimadas. Em 2024, a situação é considerada crítica e o hospital veterinário já recebeu uma série de animais com ferimentos diversos decorrentes das chamas e da inalação de fumaça. No início de setembro, por exemplo, uma onça foi resgatada com queimaduras de terceiro grau, mas não resistiu devido à gravidade dos machucados e complicações adicionais como problemas pulmonares.
O CRAS é monitorado pelo Governo do Estado e responsável pela reabilitação e soltura. O transporte dos animais é feito pela Polícia Militar Ambiental e a maioria dos que chegam é composta por filhotes que se perderam da mãe, apelidados como “órfãos do fogo”. “Chegando aqui, a gente vai fazer uma triagem pra ver qual é a situação desse animal, se for o caso, vai passar por algum tratamento, vai fazer exames, vai ficar em observação e depois segue para a reabilitação. Se for um animal de bando, como um macaco prego, a gente vai esperar até se formar um bando de animais para poder soltarmos todos juntos. É esse o trabalho. A gente recebe, faz o tratamento e reabilitação e depois uma soltura nas áreas cadastradas”, disse Aline Duarte, coordenadora do centro.
Os incêndios atuais no Pantanal ainda não chegaram ao fim e se mostram comparáveis em impacto aos devastadores incêndios de 2020, o ano mais crítico para o bioma, quando aproximadamente 30% do Pantanal foi atingido. Este ano, a área afetada chegou a aproximadamente 10,70%, usando os dados segundo o levantamento do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LASA-UFRJ). A situação se agrava devido à persistente seca intensa e ao fenômeno El Niño, que seca os rios e deixa a vegetação vulnerável ao fogo.
Informações G1
Preservação na linha de frente
O Instituto Homem Pantaneiro (IHP) trabalha em conjunto com o Grupo de Resgate Técnico Ambiental Pantaneiro (GRETAP) na proteção e preservação ambiental do Pantanal. Enquanto o Instituto se dedica a ações de conservação, pesquisa e educação ambiental, o GRETAP é um braço operacional que atua em ações emergenciais de resgate de animais e controle de incêndios no bioma pantaneiro, principalmente em situações de emergência, como incêndios florestais. Atualmente, o foco está sendo na Serra do Amolar, localizada no “coração do Pantanal”, uma região na divisa dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Os incêndios recentes na região devastaram mais de 1.500 hectares de vegetação nativa e a área enfrenta temperaturas altas e ventos fortes, que intensificam o avanço do fogo, dificultando o trabalho dos brigadistas no combate.
Quem trabalha em campo no combate direto lida com cenas devastadoras, como é o caso da médica veterinária Marina Alves, que atua pelo IHP. Ela conta que é preciso seguir um protocolo de monitoramento e resgate técnico em áreas de queimadas ao encontrar um animal ferido. Primeiro, é feita a avaliação visual para conferir o estado do animal e o risco presente na região, assim, após o processo de identificação, o resgate é realizado. “Isso inclui identificar o tipo de ferimento, a mobilidade e o nível de estresse do animal, além de garantir a segurança da equipe”, explica. “O fogo atingiu a Serra do Amolar, e como o IHP é uma das doze instituições que compõem o GRETAP, nossa equipe técnica está aqui nas áreas, realizando esse protocolo, o monitoramento, busca ativa, aporte nutricional básico e outras coisas”.
O pantanal abriga mais de 500 espécies de aves e cerca de 1,5 milhões morreram devido ao fogo Imagem: Mileny Rodrigues
Para tentar lidar com todos os problemas existentes no bioma, diversas organizações criam projetos incluindo prevenção e restauração das áreas afetadas. O SOS Pantanal é um dos que trabalham na linha de frente e investem em políticas públicas, como a implementação da Lei do Pantanal/Lei Estadual 6160 - que visa a preservação do bioma regulamentando atividades econômicas, como o turismo e a agropecuária, para promover o desenvolvimento sustentável na região. “Nós temos um papel muito importante, mas é somado a muitos outros. E é relevante tanto no sentido de dar voz ao Pantanal, de comunicar tudo que acontece de bom, assim como denunciando as ameaças e perigos para o bioma", diz Gustavo Figueirôa, biólogo e o atual diretor de comunicação da organização.
Além das consequências no bioma e morte dos animais, o cenário encontrado após as destruições do fogo é devastador e devido às mudanças severas no solo, ocorre uma migração dos animais. Aqueles que não morrem queimados ou devido aos ferimentos necessitam sair de seu habitat à procura de um novo lar seguro para viver. “Depois eles encontram um cenário arrasado, uma terra com poucos recursos e vão para outros lugares que não foram queimados. Mas, vão disputar por recursos com essas populações que já estão estabelecidas por lá e então tem um efeito cascata”, conta o biólogo Gustavo Figueirôa. A migração é negativa visto que esta mudança de região é prejudicial para a convivência, alimentação e gera problema de reprodução entre diferentes espécies.
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